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25 de novembro de 2012

Quem escreve este texto?


Não sou eu.

Meus dedos movem-se lentamente sobre o teclado a medida que palavras surgem na tela. Frases viram parágrafos, tentando imitar os impulsos elétricos abstraídos em ideias. Mas as ideias não são minhas.

De quem elas são então? de onde surgem? ideias têm existência física. Não são menos reais que pedras ou carros, ideias não poderiam existir se o mundo não existisse. Pedras são pedras na nossa interpretação, pois são abstraídas em ideias de pedras, e as próprias ideias de pedras existem na nossa consciência. De fato a ideia da pedra ultrapassa a consciência individual: a ideia da pedra é compartilhada entre todos os seres humanos ao ponto que dois indivíduos conseguem chegar a um consenso do que é uma pedra e o que não é.

O que eu estou tentando dizer é que a ideia da pedra é maior que a pedra, e, por si só, mais "real" que a pedra por alguma definição de real. A ideia da pedra "existe" mesmo que consideremos que somente coisas que possuem matéria existem, as ideias têm matéria, elas estão na nossa consciência, ou codificadas na natureza.

Se olharmos para a constituição dos seres humanos e das pedras, somos compostos majoritariamente por espaço vazio, pontuado por pequenos pontos de "matéria". Na verdade uma grande parte do que consideramos como coisas é informação. De fato, quando nos referimos a um individuo estamos falando muito mais de sua "informação" (lembranças, personalidade) do que de sua matéria (sua composição química e aparência). Imagina que teu amigo, Marcelo, sofreu queimaduras de terceiro grau em um acidente e perdeu as duas pernas e os dois braços. Ao visitá-lo no hospital, tu ainda o consideraria "Marcelo", mesmo que sua "matéria" tenha se modificado bastante. Vamos ainda mais longe, suponha que no futuro, a medicina crie um procedimento para transportar totalmente a configuração de um cérebro a outro. Se a informação contida no cérebro de Marcelo fosse transferido totalmente para outro corpo, tu identificarias esse novo corpo como "Marcelo", mesmo que nenhuma das moléculas desse novo corpo sejam as mesmas de Marcelo.

Logo, poderíamos dizer que pessoas e pedras são informações e o que nos faz únicos é a configuração de nosso cérebro, e não as moléculas que nos compõe.

Desse modo, as ideias não nascem no nosso cérebro, elas vagueiam, elas se transformam, passando de um cérebro a outro. Elas se codificam em obras de arte, gravações e livros. Elas são livres, livres como nós mesmos.

Apesar de não tomarem decisões, são livres da mesma forma como nos somos livres: devido à sua estrutura, elas imperativamente vão se transformar ou desaparecer. 

No budismo, não existe o "si mesmo", nós somos como uma porta que não leva a lugar nenhum, o vento passa pela porta, a porta bate em si mesmo, mas passar pela porta te leva ao mesmo lugar que tu estavas antes. Somos somente estruturas externas causadas por uma cadeia de causa e consequência. Não existe (de fato) um núcleo que define um indivíduo, mas existe a percepção desse núcleo, como informação.

Quem escreve esse texto? ele mesmo.

10 de novembro de 2012

Não existem bengalas


O guia ainda não foi escrito, e nem vai ser: a iniquidade do ímpio é a glória do outro.

Entre duas pessoas existe um abismo infinito. Por isso só ouvimos eco, não há o outro, só vazio. Só nós mesmos. O outro fala, as palavras chegam deformadas: as reconstruímos com nossos próprios verbos e preconceitos. Ninguém te entende? de fato.

Então nos vemos encurralados na Realidade: um abismo infinito em torno de nós mesmos, mas de onde podemos ver os outros. Seus crimes, seus sucessos. Nossos crimes são mais doces, seus crimes, amargos.

Daí vem a tragédia da vida: o abismo é invisível. Falamos baixinho, no ouvido, pensando que somos escutados. Ouvimos palavras doces, as cremos verdade. A verdade afunda no abismo, se perde nas nuances do significado.

Nos vemos rodeados por gente, mas nos sentimos sozinhos, ignorantes do abismo. 

É daí que nasce todo conflito: erros de transmissão.

Mas poderia ser de outra maneira? existe a língua franca sem ruído? sem perda? É a esperança da humanidade, é a suposição tácita da ciência, da religião. É o motivo pelo quão prosperam, e também sua miséria.

Caminhamos como cegos que acham que enxergam. Sofremos as consequências. Uns ainda se acham menos cegos que os outros: escrevem livros, olham de cima. Esses tem a maior queda: substituem ainda mais verbos nas mensagens que recebem. São ainda mais cegos.

Quem sabe do abismo, sabe que é cego. Porém não existem bengalas.