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31 de dezembro de 2012

Sonhar tem custo



Acaba o ano e o assunto preferido é o ano que vem. Quais sonhos vão virar realidade esse ano?

O sonho do Pedrinho era ser jogador de futebol. Via todas as partidas da seleção e de seu time do coração. Tinha o uniforme, as meias, as chuteiras. Sabia o nome de todos os jogadores e quantos gols fizeram no ano passado. Usava o corte de cabelo do artilheiro, quem decorava as paredes de seu quarto.

Sempre que fechava os olhos, se via em pleno Maracanã. Ouvindo os gritos da torcida, bombas e fogos. Porém, sonhos era tudo que tinha, Pedrinho não tinha movimento nas pernas, suas alucinações não passariam disso.

Quantos sonhos viram realidade? quantos sonhos fazem sentido? Sonhar tem custo sim. Cada vez que empurravam a cadeira de rodas de pedrinho, seu coração diminuía. E qual é a alternativa? Será que Pedrinho seria mais feliz se sonhasse ser analista de sistemas ou radialista?

Vivemos mais de fantasia hoje do que em qualquer outra época da civilização. Pessoas vêem mais de quatro horas de televisão por dia. E a Televisão sobrevive de publicidade. A cada trinta minutos na poltrona, uma dúzia de sonhos são "vendidos" aos nobres telespectadores. Palavra mais apropriada seria empurrados goela a baixo.

E quantos desses sonhos são possíveis? muitos sonhos são um jogo de soma zero: só pode haver um campeão de boxe na categoria peso-pena. Isso significa que centenas de jovens de nariz quebrado vão acordar todos os dias às três da manhã, treinar o dia inteiro, comer a dieta estrita dos campeões, só para verem seus sonhos estraçalhados, como seus narizes, pelas mãos do campeão. 

De novo, qual é a alternativa? se todos fossemos inteiramente racionais, teríamos um mundo de banqueiros e advogados. A realização do sonho nos traz somente o prazer momentâneo da glória. É a busca que nos motiva. Quando Pedrinho fecha os olhos, ele é mais feliz que o artilheiro. Quando o peso-pena acorda, ele tem muitos motivos para levantar da cama, nenhum nariz quebrado vai impedi-lo de pisar no ringue. Esse é o drama humano, somos providos com muita ambição e poucas oportunidades. Realizamos objetivos só para criarmos mais, cada vez mais impossíveis.

Mas o drama previsível não enche o teatro. Vamos quebrar nossos narizes em 2013!

25 de novembro de 2012

Quem escreve este texto?


Não sou eu.

Meus dedos movem-se lentamente sobre o teclado a medida que palavras surgem na tela. Frases viram parágrafos, tentando imitar os impulsos elétricos abstraídos em ideias. Mas as ideias não são minhas.

De quem elas são então? de onde surgem? ideias têm existência física. Não são menos reais que pedras ou carros, ideias não poderiam existir se o mundo não existisse. Pedras são pedras na nossa interpretação, pois são abstraídas em ideias de pedras, e as próprias ideias de pedras existem na nossa consciência. De fato a ideia da pedra ultrapassa a consciência individual: a ideia da pedra é compartilhada entre todos os seres humanos ao ponto que dois indivíduos conseguem chegar a um consenso do que é uma pedra e o que não é.

O que eu estou tentando dizer é que a ideia da pedra é maior que a pedra, e, por si só, mais "real" que a pedra por alguma definição de real. A ideia da pedra "existe" mesmo que consideremos que somente coisas que possuem matéria existem, as ideias têm matéria, elas estão na nossa consciência, ou codificadas na natureza.

Se olharmos para a constituição dos seres humanos e das pedras, somos compostos majoritariamente por espaço vazio, pontuado por pequenos pontos de "matéria". Na verdade uma grande parte do que consideramos como coisas é informação. De fato, quando nos referimos a um individuo estamos falando muito mais de sua "informação" (lembranças, personalidade) do que de sua matéria (sua composição química e aparência). Imagina que teu amigo, Marcelo, sofreu queimaduras de terceiro grau em um acidente e perdeu as duas pernas e os dois braços. Ao visitá-lo no hospital, tu ainda o consideraria "Marcelo", mesmo que sua "matéria" tenha se modificado bastante. Vamos ainda mais longe, suponha que no futuro, a medicina crie um procedimento para transportar totalmente a configuração de um cérebro a outro. Se a informação contida no cérebro de Marcelo fosse transferido totalmente para outro corpo, tu identificarias esse novo corpo como "Marcelo", mesmo que nenhuma das moléculas desse novo corpo sejam as mesmas de Marcelo.

Logo, poderíamos dizer que pessoas e pedras são informações e o que nos faz únicos é a configuração de nosso cérebro, e não as moléculas que nos compõe.

Desse modo, as ideias não nascem no nosso cérebro, elas vagueiam, elas se transformam, passando de um cérebro a outro. Elas se codificam em obras de arte, gravações e livros. Elas são livres, livres como nós mesmos.

Apesar de não tomarem decisões, são livres da mesma forma como nos somos livres: devido à sua estrutura, elas imperativamente vão se transformar ou desaparecer. 

No budismo, não existe o "si mesmo", nós somos como uma porta que não leva a lugar nenhum, o vento passa pela porta, a porta bate em si mesmo, mas passar pela porta te leva ao mesmo lugar que tu estavas antes. Somos somente estruturas externas causadas por uma cadeia de causa e consequência. Não existe (de fato) um núcleo que define um indivíduo, mas existe a percepção desse núcleo, como informação.

Quem escreve esse texto? ele mesmo.

10 de novembro de 2012

Não existem bengalas


O guia ainda não foi escrito, e nem vai ser: a iniquidade do ímpio é a glória do outro.

Entre duas pessoas existe um abismo infinito. Por isso só ouvimos eco, não há o outro, só vazio. Só nós mesmos. O outro fala, as palavras chegam deformadas: as reconstruímos com nossos próprios verbos e preconceitos. Ninguém te entende? de fato.

Então nos vemos encurralados na Realidade: um abismo infinito em torno de nós mesmos, mas de onde podemos ver os outros. Seus crimes, seus sucessos. Nossos crimes são mais doces, seus crimes, amargos.

Daí vem a tragédia da vida: o abismo é invisível. Falamos baixinho, no ouvido, pensando que somos escutados. Ouvimos palavras doces, as cremos verdade. A verdade afunda no abismo, se perde nas nuances do significado.

Nos vemos rodeados por gente, mas nos sentimos sozinhos, ignorantes do abismo. 

É daí que nasce todo conflito: erros de transmissão.

Mas poderia ser de outra maneira? existe a língua franca sem ruído? sem perda? É a esperança da humanidade, é a suposição tácita da ciência, da religião. É o motivo pelo quão prosperam, e também sua miséria.

Caminhamos como cegos que acham que enxergam. Sofremos as consequências. Uns ainda se acham menos cegos que os outros: escrevem livros, olham de cima. Esses tem a maior queda: substituem ainda mais verbos nas mensagens que recebem. São ainda mais cegos.

Quem sabe do abismo, sabe que é cego. Porém não existem bengalas.

25 de setembro de 2012

Virgem


Todo dia ela acordava. Calçava os chinelos, ia ao banheiro. Bocejava. Se olhava no espelho, coçava a cabeça. Tomava banho, se vestia. Tomava café, olhava a janela. Tinha uma vista para uma bela parede com vários padrões interessantes formados pela infiltração.

Toda santa manhã ela fazia o mesmo. Fazia mais de um ano que não tinha um contato íntimo com outro ser humano. A verdade é que não tinha vontade. Não podia nem ouvir alguém falando ou principalmente rindo. Trabalhava com muitos papéis, não precisava ver quase ninguém. Podia ficar o dia todo na sua sala com suas paredes brancas e lisas. Tinha família no interior, mas não os via há meses.

Quando chegava em casa, à noite, não tinha muito o que fazer. Não tinha TV. Fazia castelos de cartas, jogava paciência, pensava. Começou a pensar que estava sozinha no mundo, que se ela morresse ali naquele apartamento, passariam meses até que descobrissem seu corpo, no meio de várias xícaras de chá, um jogo de paciência não acabado e uma pilha de roupas sujas. Só lavava uma xícara de chá quando não haviam mais xícaras, e ela tinha muitas xícaras.

Um dia, deitada no chão -- um de seus passa-tempos preferidos -- começou a pensar que deveria fazer algo para agitar um pouco a sua vida, viajar talvez. Quando era mais nova tinha o sonho de ser veterinária, mas acabou fazendo turismo. Não praticava.

Fazer algo exigia força de vontade, algo que ela não possuía. Deitada no chão frio, com a coluna bem reta, só pensava como era impossível mesmo lavar aquelas xícaras (com as quais ela tinha escrito "FOME" no meio da sala). Merda, era mesmo impossível se sentar no sofá. Ela sentia que mesmo seu corpo estava desistindo, que um dia desses o seu coração ia decidir parar de bater, já que o resto do corpo não ia se importar mesmo.

Há meses não sorria, sentia que seu rosto começara a se adaptar à nova situação. Um dia seu patrão fez uma pergunta que demorou mais de dez segundos para ser respondida. Seu trabalho começava a ser feito porcamente também. Não se importava se perdesse o emprego, não gostava de sair de casa mesmo. Tinha bastante dinheiro guardado, não gastava com nada.

Suas roupas estavam ficando gastas, seu cabelo já estava muito longo e mal cuidado. Começou a ter medo de sair de casa, medo que falassem com ela, começou a sair mais cedo para tomar o ônibus mais vazio. Um dia seu patrão lhe perguntou algo e ela não respondeu. Ele voltou a fazer a pergunta, agora mais alto. Nada.

O patrão caminhou até sua mesa, já claramente irritado. Pegou no seu braço e perguntou se ela não o tinha ouvido. Nesse momento ela enlouqueceu. Aquelas mãos gordas e suadas tocando seu braço pareciam queimá-lo. Uma onda de ódio pareceu se transferir da ponta dos dedos do patrão até a nuca daquela mulher. Abriu a boca e deu um grito mudo: não tinha mais voz, não sabia mais quem ela era. Saiu correndo de sua sala, deixando o patrão atônito e desorientado.

Correu no meio das ruas, sem direção, não lembrava onde morava. Batia em algumas pessoas (as ruas estavam lotadas), seu horror aumentava. Correu por uma hora e, sem saber como, estava em seu apartamento.

Olhou confusa, as paredes tinham mudado de cor, as xícaras tinham sumido do chão. Só o que estava igual era a pilha de roupas. Ela se atirou no meio das roupas, as abraçou como se fosse um bebê. Dormiu.

Deve ter dormindo por muitos dias. Mas finalmente se levantou triunfante do meio das roupas sujas, com uma energia que nunca teve antes. Olhou pela janela e a visão a fez se ajoelhar e chorar: a infiltração na parede tinha o forma do rosto da Virgem Maria.

16 de setembro de 2012

O casal ameba


O louvo-a-Deus tem sua cabeça comida durante a procriação. O macho da girafa bebe a urina da fêmea para verificar se ela está apta a procriar. A natureza é cheia dessas curiosas práticas. Nós humanos não somos diferentes, só que as nossas práticas são um pouco mais complexas. Mulheres passam horas se disfarçando arrumando, homens passam horas na academia. Nem vou comentar sobre os rituais de acasalamento, livros e mais livros foram escritos sobre tal.

Duas pessoas se conhecem. Sem seguir nenhum guia, suas químicas internas mudam. Um olhar, gestos, frases, uma sequência de causa e consequência controlada pela cultura e genética que dificilmente será compreendida totalmente toma efeito. Um telefonema na hora errada, uma frase com entonação incorreta, podem quebrar a cadeia. Mas algumas cadeias persistem.

Aos poucos a cadeia fica mais forte, fortalecida pelo hábito. Tudo fica menos bio e mais lógico. As regras agora são mais culturais que químicas. Expectativas são criadas, e quebradas, e mudadas. Aos poucos, uma entidade toma forma. Essa entidade, que não está nem nele nem nela, tem vida própria, os controla.

A entidade vai endurecendo, ficando mais forte contra o exterior. Dá origem a uma micro-cultura, semi-independente da Cultura global. Os indivíduos envolvidos, então, ficam cada vez menos conscientes dessa entidade. Aos poucos o hábito vai dominando, as expectativas crescem, as raízes entram cada vez mais fundo nas almas dos hospedeiros.

Então um dia os anti-corpos individualistas se manifestam. A vida acontece. O hospedeiro vê uma saída, de repente o contrato não está mais vantajoso. Então ele se desprende, ele se livra do parasita. Mas ele não morre sem deixar sequelas. As vezes mortais.

Outro olhar, outros gestos, outra sequência de causa e consequência, outro parasita. As defesas naturais agora, no entanto, são mais fortes, os benefícios e malefícios, portanto, mais fracos.

3 de setembro de 2012

Sozinho na multidão


O mundo é do indivíduo. O triunfo máximo da iluminação é o fim do coletivo, da tribo, do grupo. Vivemos, dizem, na época mais pacífica e próspera da história da humanidade. Porém cresce um problema endêmico e silencioso. Um que não altera índices, que não passa por métricas. O mundo moderno, dos números, da ciência, não enxerga o que não é taxa, o que não cabe na célula do Excel.

O homem é cada vez mais urbano, mais apertado em apartamentos pequenos, mais amassado em transportes públicos ou preso no tráfego; cada vez mais sozinho. E não é coincidência: a solidão é propagada devido a seu subproduto: o consumismo.

O homem só só consome. Quando entre amigos, é feliz, é criativo, é ativo. Quando sozinho é reativo, é mesquinho, é egoísta. Compra porque está preso dentro de si. Passa a tarde no shopping procurando um sapato, tarde consumindo e sendo consumido. Tentando preencher o vazio da solidão.

A igreja se comercializou, o espírito fica entre a roupa nova e a nova TV. Vai para a Igreja para pedir mais dinheiro, paga o imposto para Deus. Velas para comprar. Indulgências, vagas no céu. Decalques no carro, CDs e DVDs. As religiões que se dizem contra o consumismo são as mais hipócritas: a aula de Yoga, o incenso, a calça trançada, a droga, tudo é consumo. Meditar agora é consumir.

A diversão é o consumo. Agora a diversão é na cadeira, na frente do computador, consumido mídia, adicionando fotos, colecionando "amigos", ganhando níveis, juntando itens, consultando preços.

Amanhã eu não consumo, vou sentar com meu amigo, conversar sobre conversas, sem comprar o maldito refrigerante.

28 de agosto de 2012

Corpo e Alma Linguística



"[...] Nosso corpo e alma não são dois e não são um. Se você acha que seu corpo e mente são dois isso está errado, se você acha que são um, isso também está errado."

De uma certa forma, eu concordo com esse texto. Corpo e alma não podem ser considerados como duas entidades separadas, nem são a mesma entidade. Corpo e alma não podem se separar porque um não existe sem o outro. Quando o corpo desaparece, a mente desaparece. Já a mente simplesmente não desaparece sem que o corpo não tenha desaparecido. Falando assim parece que a mente é um aspecto do corpo, isso também está errado. A mente emerge como estrutura através do comportamento do corpo. Então na verdade a mente não existe no sentido material, mas num sentido estruturalista.

No parágrafo anterior eu dei a minha visão sobre a questão da dualidade. Mesmo que ela esteja errada, qual a diferença entre o meu texto e o do mestre Suzuki Shunryu? A linguagem empregada. Esse tipo de linguagem é frequentemente utilizada em textos budistas ou textos filosóficos orientais. A princípio parece cercado de paradoxos, e é.

O budismo Zen tem como raison d'être o Satori, a iluminação. Para atingir essa iluminação, os estudantes são expostos a diversas histórias e enigmas, chamados Kooans. Essas histórias, minadas de paradoxos e linguagens obscurantista, visam mostrar ao discípulo uma outra visão sobre o mundo, algo que ainda não pode ser expressado por palavras. Como base do Zen budismo, temos a ideia de que precisamos extrapolar a linguagem para entender a Verdade. Ou seja, a premissa é que a linguagem e a lógica são ineficientes para compreender a Realidade.

Ora, é obvio que a linguagem não pode expressar toda a realidade. Os olhos não podem enxergar tudo que existe porque o mundo não foi feito para os olhos, e sim o inverso. Da mesma forma a linguagem e o raciocínio emergiram como estruturas em seres finitos, com necessidades finitas. Isso, no entanto, não significa que a linguagem não possa ser desenvolvida, os seres humanos estão melhorando a linguagem há séculos. Esse tipo de linguagem "experimental" tem o seu papel no desenvolvimento da linguagem.

Porém, outra explicação para o paradoxismo do budismo seria malícia. Envolver um texto em paradoxos tem um uso muito prático: te permite nunca estar errado. Se eu postulo que não é verdade que A ou não A, pela lógica clássica eu estaria errado. A proposição A ou não A é uma tautologia. No entanto, se a ciência de alguma maneira descobre que não A, é muito mais fácil adaptar a tua ideologia para acomodar esse novo fato do que se o teu texto dissesse com todas as letras A. Difícil mas não impossível, vide firmamento.

Usar paradoxos é mais uma maneira de ser vago, poético ou pseudo profundo. É a garantia de que qualquer besteira que tu disseres poderá ser clamada como sabedoria, somente depois que a ciência descobrir, claro. 

Então, na tua opinião, o budismo é obscuro porque é budismo ou é budismo porque é obscuro?

26 de agosto de 2012

Isso é água


As coisas mais simples, mais clichés, também são as mais fáceis de ignorar. Se tu deixares a vida te leva. E mesmo te movimentando, tu não sairás do lugar.

Adquirir consciência não é sobre alcançar as grandes verdades, mas saber de cor as coisas simples. Esse post é cliché de propósito.

25 de agosto de 2012

Drogas abrem tua mente?


George Carlin e Bill Hicks, dois comediantes americanos, em certo momento de suas vidas experimentarem drogas alucinógenas; em várias entrevistas e mesmo em suas performances reportaram que essa experiência abriu as suas mentes, mudando para sempre a forma como pensavam.

É isso que eu preciso! Traz o chá margarida!

Calma, calma meu amigo. Nem todas as pessoas que usaram drogas acabaram seu tornando George Carlin ou Sócrates, muitos viraram vagabundos. Além disso existem autores geniais que não precisaram desse tipo desse artifício para criarem suas obras primas.

Já que não é necessário e nem suficiente, talvez as drogas sejam pelo menos um potencializador do talento: talvez elas sejam uma forma de despertar o gênio que vive dentro de ti (ou, se tu não queres ser um artista, uma pessoa mais consciente do Universo, dos seres e de outros planos de existência).

Bom, para começar, os artistas citados já eram talentosos antes de usá-las. Não há como saber se se eles não tivessem utilizado drogas, eles não seriam tão geniais quanto acabaram sendo.

Existem uma coisa que tem muito mais co-ocorrência com genialidade: trabalho. O que eu observo em grandes artistas é que em geral são pessoas quase obsessivas em relação ao seu trabalho, passando um número obsceno de horas desenvolvendo suas habilidades.

Drogas podem causar certos tipos de neurose e esquizofrenia. A última é associada na mídia a gênios, principalmente da matemática. A esquizofrenia pode levar a um comportamento obsessivo que, se aplicado corretamente, pode ser benéfico para a habilidade do artista. Porém o efeito é uma loteria, podem muito bem levar a uma obsessão diferente do que a desejada, por exemplo obsessão sobre o comportamento dos duendes que vivem no banheiro.

As drogas podem te levar a experiencias diferentes e enriquecedoras, mas essas experiencias podem ser trazidas também pela simples vontade de tê-las. O mundo está cheio de oportunidades para quem não está com medo de meter a cara.

Então a possibilidade danificar o teu cérebro pode sim te trazer benefícios, mas é um preço bem caro a pagar.

Tudo isso que tu estás dizendo é porque tu tens medo! medo de abrir tua mente.

Primeiramente, só o medo não é um argumento necessário para descartar alguma ideia. O medo é natural no ser humano e devemos combater o medo irracional. Porém ele também pode ser benéfico. Sim, eu tenho medo de atravessar o oceano Atlântico a nado, porque eu sei que eu morrerei fazendo isso, mas isso não significa que atravessá-lo é uma boa ideia. 

Além disso, equalizar "abrir a mente" com drogas é justamente a proposição que eu mostrei falsa aqui nesse artigo. As drogas são uma fuga da realidade, uma fuga das responsabilidades. A droga é ouro para a racionalização, uma jogada com baixa de probabilidade de sucesso a qual tu podes culpar quando tudo der errado.

Adoramos atalhos, "perca doze quilos em um mês", "aprenda alemão em duas semanas", "fique rico trabalhando em casa quatro horas por semana". Atalhos existem, sempre há uma maneira mais eficiente de fazer as coisas, mas a maioria dos que são comercializados são óleo de cobra. Desconfia quando a esmola é demais. É preciso ter um olhar cético para esses tipos de estratagemas. Existe uma outra forma de te tornares uma pessoa diferente. Uma forma que, ainda que não necessariamente a mais rápida, é muito mais segura: trabalhar. Sentar a bunda na cadeira e estudar, sair por aí e agir.

Então talvez uma outra maneira de "abrir tua mente", seja simplesmente trabalhar para isso. Lê muito, conversa, te arrisca. Talvez demore muito mais do que uma noite tomando chá e vendo a Virgem Maria, mas ao menos é real, vem do teu esforço. Não é jogar os dados com Deus.

E o álcool? 
Já notaste que esse poder de modificação do modo de pensar é atribuído muito menos ao álcool do que as drogas ilícitas? atribuo isso ao fator mistério. A bebida foi largamente mais estudada que os drogas, todos sabem dos seus efeitos de desinibição e de redução do juízo, dos efeitos no fígado e no cérebro. As drogas, principalmente as mais novas e mais exotéricas, não dispõe da mesma disponibilidade de conhecimento existente. Assim, como tudo que não conhecemos, atribui-se o fator mistério às drogas ilícitas. Aqui vale a heurística de desconfiar de quem baseia seu argumento nos mistérios do Universo.

Sim, existem artistas que usam álcool para se desprender, mas isso em geral é mal visto: mais uma vez isso é uma forma de fugir do problema. O álcool é necessário, mas não é suficiente para desinibir, então é só uma forma não saudável (se consumido em excesso) de prolongar um problema que pode ser resolvido sem o seu uso. 

23 de agosto de 2012

Não suporto mais ele! Dicas para mudar o seu namorado.


Só há amor quando não existe nenhuma autoridade.
Raul Seixas
Esse blog tem "relacionamentos" no subtítulo, mas exceto raras exceções, não falei muito aqui sobre as dificuldade dos relacionamentos.

Relacionamentos não são fáceis, isso a amiga leitora já sabe. Em 2011 tivemos, no Brasil, recorde de número de divórcios. Todos já viram a transformação de jovens casais apaixonados em pessoas que já não podem nem suportar a presença um do outro. Será que todo relacionamento tende ao fim ou ao casal apenas se suportando?

Quando um relacionamento começa, não percebemos os defeitos da cara metade, ou fazemos vista grossa ou os defeitos não nos incomodam. Quanto mais íntimos ficamos, mais esperamos que a parceira aja de uma certa maneira. Alguém cobra algum tipo de comportamento (por exemplo, não deixar papeis espalhado na mesa) e então tu também começas a cobrar certas coisas (baixar a tampa da da privada). A repetição do mesmo comportamento -- na nossa cabeça a falha em mudar -- nos faz querer reclamar, corrigir, o que por sua vez leva o parceiro a se irritar pela situação.

O casal vira uma pequena sociedade, onde existe uma batalha por um conformismo não ditado por ninguém. Essa batalha nos leva a um mal-estar, trazido pelo desconforto de ter o seu comportamento (a coisa que te faz quem tu és) julgado como errado inúmeras vezes. Todo esse desconforto e brigas começa a ser tratado como uma crise na relação. O casal começa a buscar soluções, mas usando as mesmas técnicas utilizadas com relações de trabalho, ou de amigos. Começam a procurar quem é o algoz e quem é a vítima. Essa culpabilização nos faz, mesmo se acreditarmos que realmente temos coisas que precisam ser mudadas, ter uma resistência em mudar. Devido a busca irrelevante pelo "culpado", ou "justiça", ninguém muda.

Só podemos mudar a nós mesmos.
Infelizmente, não controlamos as outras pessoas. Mas controlamos a nós mesmos. Tente avaliar as críticas do parceiro, tu realmente está errado? não interessa o que ela fez que te levou a tomar as atitudes que tomaste, ou tu agiste certo ou errado. Além disso, antes de fazer qualquer crítica a tua namorada, pensa se tu faria o mesmo por ela (com algumas exceções lol); se a resposta é não, então talvez a crítica não seja construtiva.

Tenta mudar. Com certeza mudanças positivas no relacionamento vão resultar da tua mudança de comportamento, só o fato de não te fazer de vítima, já vai aliviar a situação. Isso vale para tudo na vida, se tu agires como uma vítima, vais ser sempre a vitima.

22 de agosto de 2012

A voz cruel que te impede de realizar os teus sonhos


Existe uma voz, que está dentro de todos nós. Ela está lá para desmerecer nossos pequenos sucessos, e para aumentar nossas pequenas derrotas. Uma voz que ninguém controla, que odeia mudanças, que adora planos.

Ela te manipula. No fim de semana ela te convence a começar a fazer exercícios só na segunda. Na academia ela te convence de que tu és fraco, ou gordo demais, ou não és bom nos esportes. No dia seguinte ela está lá para te dizer que tu merece um dia de descanso. No outro para dizer que tua perna ainda dói, que o melhor é esperar mais um dia. 

Ela critica tua obra, repete a opinião negativa dos outros, ignora a positiva. Ela te põe medo, te faz desistir. Ela fica do teu lado, enquanto tu crias, criticando cada detalha da tua criação. Te mandando parar, te criando distrações.

Ela te faz esperar o momento certo, a ferramenta certa, a pessoa certa. Ela te faz esperar as oportunidades ao invés de criá-las. Cada pequeno avanço no teu esforço, ela vai achar pouco, ela vai te convencer da impossibilidade dos teus sonhos.

Essa voz que Steven Pressfield chama de Resistência, os cristãos chamam de Lúcifer e eu chamo de Racionalização.

Não escutá-la é difícil. Ela é mais persistente que Sísifo, não se cala nunca, quanto mais difícil a tarefa, mais forte ela fica. Ela ganha qualquer argumento. Nem sempre fala de dentro do teu inconsciente, as vezes toma forma de crítico, as vezes de familiares e amigos: descansa um pouco, tu tens que sair mais, tu tens que vir beber conosco.

Não sei ao certo das origens dessa voz, mas ela é cruel, até mesmo as pessoas mais simpáticas do mundo dirão coisas horríveis a si mesmos: "você é um incompetente", "não fizeste nada de útil hoje", "você não serve para nada". Essas pessoas nunca diriam isso -- nem pensariam isso -- para ninguém, mas a voz é sempre cruel e mesquinha.

Se tu tens algo que queres muito fazer, e que pensas que é impossível, só há uma maneira: vencer essa maligna voz. E para vencê-la, joga o jogo dela: a persistência. Ignore-a. Comemora cada sucesso por menor que seja. Toma consciência que essa voz não é tu. Essa voz é a da derrota, da situação.
Perna doendo? dói pouco; vou correr.
Só cinco repetições? ótimo, amanhã faço seis.
Este quadro está feio? está muito melhor que os meus primeiros, o próximo vai ser ainda melhor.
Esse artigo está mal escrito? amanhã o re-escrevo.
Esforço é como juros, se compõe. Com o tempo a vozinha vai perder a força, até se perder dentre teus muito sucessos. O importante é não desistir, é depositar todo mês, comparecer.

19 de agosto de 2012

Compartilha nas redes sociais


Aqui estão dez coisas que todo empresário de sucesso faz antes de tomar café a manhã, por favor compartilhem no Facebook, Twitter e Google+. Leiam as partes em negrito. Não tudo de uma vez, claro, leiam 5 frases, chequem o Facebook, e voltem para ler o resto. Retwitem, curtam, dêem um +1. Façam um comentário de uma linha, mais superficial que o artigo.

Somos, com orgulho, superficiais, não no sentido hippie (preocupados apenas com coisas materiais), mas no sentido que não analisamos mais nada com profundidade. Eu, mesmo escrevendo sobre isso, estou com cinco abas abertas.

Empregadores hoje procuram pessoas multitarefa, isso não existe. Estudos comprovam que quando estamos fazendo várias coisas ao mesmo tempo, o cérebro fica mudando o foco rapidamente entre uma tarefa e outra. Estamos, de fato, treinando nosso cérebro para não se concentrar em nada. Multitarefa é a única coisa que quanto mais tu praticas, pior tu ficas. Não nos concentramos em nenhuma das tarefas, fazendo todas de maneira relapsa, medíocre.

Mas é justamente mediocridade o que a sociedade quer. Para atingir o maior número de pessoas o texto precisa ser curto, em listas e com várias palavras em negrito. Os blogs mais famosos hoje são os que se resumem a imagens sem graça, apelativas e vídeos violentos ou infestados de memes fracos.

A sociedade não quer qualidade ou profundidade, mas velocidade e baixo custo. O durável é caro demais, quem quer ter um sofá que dura dez anos? eu gosto de ter uma sala de estar nova por ano. Procura-se aumentar cada vez mais a produtividade, mesmo que seja para produzir somente lixo. Temos que ser acadêmicos T, polímatas, multitarefas, dinâmicos. Temos que saber usar Excel, Word, Access, PowerPoint, Dreamweaver  Photoshop, Flash, Ajax, HTML, CSS, VB, .NET, PHP, CGI, CFC, PC, PVC, PP, PET, PT, PMDB...

Para! para e pensa, tu não precisas desse novo tablet. Tu não precisas desse carro. Fecha o chrome e abre um PDF.

18 de agosto de 2012

Qual a diferença entre Windows 64 bits e 32 bits? (para leigos)


Bom, a versão curta da resposta é que programas (por exemplo Word, Photoshop ou Call of Duty) desenvolvidos para a versão 64 bits do Windows podem ser mais rápidos. Além disso, eles podem usar mais memória RAM.

-- Espera aí! se eles usam mais memória, significa que são piores não é? meu windows tá sempre travando porque tá usando muita memória.

Calma, calma. Vamos começar de novo. A memória RAM (a partir daqui só memória) serve para armazenar dados, por exemplo, o nome dos programas que estão abertos, o texto que tu estás digitando no Word e não salvaste, as imagens que estão aparecendo na tela do computador, etc. Esses dados não ficam espalhados aleatoriamente, cada um deles tem um número associado, como um CEP.

Imagina que a memória é uma cidade (observe a imagem abaixo), com muitas casinhas. Cada casinha tem um CEP. Dentro dessas casinhas tem alguma informação. Por exemplo, na casinha com CEP 123, está o teu nome, na casinha com CEP 124, está uma imagem do Sílvio Santos, e por aí vai. Então quando o computador precisa encontrar alguma informação, por exemplo, a foto do apresentador, ele vai na posição 124 da memória e lá está ele sorrindo.

Todo mês surge uma memória nova, cada vez maior. Eu tinha, há alguns anos, um computador com 1GB de memória, meu atual tem 4GB. O problema é que os computadores não estavam mudando. Imagina que o CEP da nossa cidade tem 4 dígitos, isso significa que podem haver no máximo 9999 casas com números diferentes. O que acontece quando queremos construir mais casas? é simples, aumentamos a quantidade de dígitos do CEP.

A quantidade de números disponíveis para localizar informações na memória era antes 32 dígitos binários, agora é 64, ou seja, os computadores poderiam guardar, em teoria, 2^32 vezes ou 4.294.967.296 vezes mais informação do que em máquinas de 32.

Isso para jogos significa mais bonequinhos na tela, mais detalhes nas texturas, ou o que quer mais que os criadores de jogos fazem hoje em dia.

-- Tá, mas isso não respondeu minha pergunta, como mais memória significa ser mais rápido?

Essa é um pouco mais difícil. Sabe aquela imagem do Sílvio na tua memória? imagina que a cada dez minutos tu precisa ver o sorriso do apresentador. Não sei porque tu fazes isso. Mas o fato é que essa imagem está sendo muito mais acessada do que outras coisas na tua memória, então o computador, muito maroto, deixa a foto do Sílvio bem perto para ficar mais rápido acessá-la. O problema é que (por questões econômicas e físicas) esse espaço perto é limitado, ele só vai guardar ali as coisas mais constantemente acessadas. Os computadores de 64 bits são mais rápidos porque podem guardar mais coisas pertinho.

Faltou a última questão, compatibilidade. Os computadores de 64 bits podem rodar programas feitos para os de 32, mas o inverso não é verdade.

Gostaste? ficaste com alguma dúvida? comenta!

Para os mais avançados, além da página da Wikipédia, tem esse artigo bem completo sobre a arquitetura de 64 bits.

17 de agosto de 2012

Estou com uma dor no calcanhar


Casal se beija. Ela com seu calcanhar no ar e a ponta do pé tocando o chão, ele com os braços em volta de sua cintura, suas mãos descem lentamente em direção à bunda. O casal chama a atenção do público: fala-se sobre o beijo, a mão, a bunda, a indecência, a sociedade, seus cabelos, suas idades, mas o calcanhar não ganha nenhuma atenção.

O único calcanhar famoso é o de Aquiles, e é famoso porque levou uma flechada. Pobres calcanhares. O calcanhar só é lembrado quando se machuca.

Existem pessoas que tem fetiche por pés, mas quem tem fetiche por calcanhar? existe o podólogo, mas onde está o calcanhorlogo? Em Hollywood, na calçada da fama, os famosos deixam as marcas de suas mãos. Onde são deixadas as marcas de calcanhar?

Quando se chega tarde em casa, para não se acordar a mulher ou os pais, dizem para pisar na ponta dos pés, porque não na ponta dos calcanhares?

Se pede a mão de uma mulher em casamento, os espíritos vêm puxar nossos pés enquanto dormimos, mas quem pede ou puxa o calcanhar? Se dá uma mão para ajudar a vizinha, se beija os pés da pessoa idolatrada. Mas quem dá ou beija o calcanhar?

Não se pede, puxa, dá, ou beija o calcanhar. Ele só é alvejado. Lembramos dele quando dói e já que a dor alimenta a poesia, aqui eu clamo aos poetas, que façam um ode ao nosso amado calcanhar.

16 de agosto de 2012

O amor talvez não exista


1. Amor Recíproco 
- Tu não a amas, tu queres que ela te ame, é diferente.
-Eu a amo e espero que ela um dia me ame. Só que ela continua se apaixonando por esses tipos... tão diferentes de mim, talvez eu tenha me enganado e nós não fomos feitos um para o outro.
Um diálogo entre uma menina de dezesseis anos e um homem mais "experiente".
A maioria das histórias envolve algum tipo de triângulo ou outra forma geométrica amorosa. É porque a gente não escolhe quem ama e nem quem nos ama. As vezes o amor é certo, mas o tempo é errado, as vezes o tempo errado dá origem ao amor certo.

O amor talvez não exista, ou talvez seja a única coisa que exista.

2. Amor que acaba
"Eles são eternamente apaixonados", Deus me livre. O bom do amor é que ele acaba. E nos faz dar aquele sorriso na parada do ônibus, esperando no aeroporto, aquele sorriso que só a gente entende. Talvez melhor que os momentos que geraram a lembrança.

3. Amor Cliché
Do amor é bom até a dor, daí a famosa rima pobre que enriquece as canções populares. O que seria delas sem o amor cliché? amor é cliché mesmo, já foi vivido e sofrido tanto que não há mais nada para viver que já não esteja documentado. Mas ler sobre a escalada do monte Everest e ver o mundo lá do alto são coisas extremamente diferentes.

4. Amor Lógico
O amor é um paradoxo. Ou é completo, ou é consistente, não pode ser os dois ao mesmo tempo. Se é completo todo o amor verdadeiro pode ser provado, se for consistente, nenhuma amor que não é verdadeiro pode ser provado. Na verdade, a única prova que funciona no amor é a prova por absurdo, porque o amor é absurdo, e incomputável.

5. Da natureza do amor
Talvez seja biológico, talvez seja químico, talvez seja psicológico. Talvez seja espiritual. Talvez não seja. Se não for, nos engana bem, se não for, é a maior histeria pública já criada.

O amor talvez não exista, ou talvez seja a única coisa que exista.

14 de agosto de 2012

Produtor Consumidor


Writing can be a pretty desperate endeavor, because it is about some of our deepest needs: our need to be visible, to be heard, our need to make sense of our lives, to wake up and grow and belong. It is no wonder if we sometimes tend to take ourselves perhaps a bit too seriously.
ANNE LAMOTT
Apenas uma em cada dez pessoas é produtora de conteúdo na Internet. Isso já é um número impressionante se compararmos a outra mídias, como televisão e revistas. Mas ainda é muito baixo.

Mas por que esse número é tão baixo? será que algumas pessoas nascem consumidoras e outras nascem produtoras? Ou esse número surge naturalmente devido ao esforço envolvido na produção de conteúdo? Talvez não haja público para o conteúdo gerado se todo mundo criasse. Eu acredito que a maioria dos produtores não nasceram produtores, provavelmente foram forçados por algum motivo profissional ou por uma idealização da carreira.

Forçados ou não, produzem. Algumas vezes têm incentivos financeiros, outras, são seus egos que se beneficiam. E o bom conteúdo (não essas listas de dez coisas ou fofocas) é arte, que é vício. Quanto mais arte produzimos, mais sedentos somos por criar. Sede de algo que não conseguimos explicar, de público, de qualidade. De ter nossa obra por aí. Exposta aos olhos, aos ouvidos. Amada, odiada, vendida, consumida. No final do dia, temos a impressão que o mundo está um pouquinho diferente devido ao nosso trabalho, talvez até melhor.

Vivemos num momento único da história, agora mesmo tu podes gravar um vídeo ou escrever um artigo que poderá ser visto por centenas de pessoas. Nunca foi tão barato espalhar uma ideia. Mais que isso: o dinheiro está perdendo a importância nesse campo. Mesmo que por simples injeção de dinheiro tu consigas por tua ideia lá no mercado. Paixão dificilmente é comprada sem prejuízo. Globos oculares são comprados, títulos números, prêmios, menções. Mas valor não. As pessoas estão começando a perder a confiança na mídia de massa, e confiando nos seus vizinhos.

Produze!

13 de agosto de 2012

Moleskine



1. Eu
Não reconheço a pessoa que escreve essas palavras.
Sou só os pedaços que sobraram de algo que já não existe mais.
Meu destino é vagar sozinho pelo sombrio caminho da ignorância.

-- Ela escrevia isso em um Moleskine, deitada no sofá.

2. Tu
Olha para baixo. Provavelmente verás tua barriga. Talvez veja uma parte do teu nariz. É isso, tudo que tu já viste, em toda tua vida. Todas as muitas experiências que tu já tiveste, tudo foi nesse ponto relativo do universo. Considera-te o centro do universo, nunca saíste do lugar.

Não é o teu olho que vê, é o cérebro. Estamos presos em nossas cabeças. Quem nunca pensou que nunca saberemos como é ser outra pessoa, ou viver em outro universo, ou outra época. É aterrorizante a sensação de estar preso dentro de si mesmo. Mesmo assim, a maioria das pessoas nunca chegou ao ponto de se angustiar por causa disso. Qualquer fato de vida, levado ao seus extremos, pode causar o terror. Mas quem tem tempo hoje em dia para chegar aos extremos? na correria do dia-a-dia.

Ninguém pensa até o fim. As pessoas preferem as distrações. As preferem por que são reconfortantes, exatas. A mente humana evoluiu nessa realidade, a das coisas imediatas, da ação e da reação. Do soco que leva a árvore a balançar, fazendo o coco cair e quebrar. Nenhum desespero. O problema é que a queda do coco traz em dúvida a sua causa e o motivo da reação: porque o coco cai para baixo? Por que eu tenho duas pernas e  não cinco? as coisas não poderiam acontecer de outra forma?

Quando eu digo que a mente humana é assim, implicitamente eu alego que é possível haver mentes que não se aterrorizem pelo absurdo, ou mentes onde o absurdo não existe. Ou talvez que o Universo é de alguma forma inteligível, ou entendível. Talvez essa seja a última das crenças infundadas vindas da arrogância que o ser humano ainda não abandonou. Agarramos a mentira do Universo objetivo porque a alternativa é impossível de imaginar. 

O homem criou Deus para explicar o absurdo, e o abandonou por crer que poderia compreendê-lo. A própria existência de um Deus inteligente assume que existe uma inteligência que compreende algo. O homem moderno é otimista, acredita que iremos chegar no conhecimento completo. Talvez se publicarmos mais e mais livros, se modificarmos nossos genes, se descobrirmos vida extraterrestre, teremos a resposta que tanto queremos. Aquela que vai resolver todos os dilemas e paradoxos.

Há outra possibilidade: não existe resposta, assim, o absurdo é somente um conceito proveniente de uma falha da nossa mente subdesenvolvida, ou talvez um produto inevitável da inteligência.

3. Marcela
Meu nome é Marcela. Odeio a mídia, por isso eu escrevo: quero que as pessoas tenham outro ponto de vista. A mídia quer nos vender um padrão de beleza único. As mulheres tem que entender que são todas lindas. Nós temos que estar sempre lindas e magras, os homens saem como querem. Se nós saímos com vários caras, somos vagabundas; os homens, garanhões.

Por que os homens ganham mais que as mulheres fazendo as mesmas atividades? as mulheres são muito mais espertas. Um mundo comandado por mulheres seria ideal, sem guerras, sem violência, sem corrupção. Eu só voto em mulheres.

Tem umas pessoas que dizem que o feminismo já venceu, nada está mais longe da verdade: todos os dias, milhares de mulheres são oprimidas, no local de trabalho, na rua, em suas casas. Sabem quantas mulheres são abusadas sexualmente todos os dias? ou estão na cadeia nesse momento? e quantas mulheres estão morrendo em profissões perigosas e em guerras? sabem qual é o índice de suicídio entre as mulheres? Não podemos ficar paradas. 

12 de agosto de 2012

O pássaro e o executivo



Em umas longínquas montanhas na Índia vivia um mestre budista em um grande templo. O acesso por qualquer meio de transporte humano era quase impossível. A única forma de chegar nesse templo era através de uma densa selva e uma dura escalada.

Luís Roberto era um jovem empresário, com seus apenas trinta e dois anos já era milionário e estava a frente de um grupo com mais de seis mil funcionários. Tão jovem e com tanto sucesso, não havia muito que Luís não conseguia por pura determinação. Porém, não era feliz.

Já tinha tido muito amores que não deram certo, já tinha tentado quase todas as religiões. Fora do campo profissional, considerava sua vida uma fracasso. Parecia sempre estar buscando alguma coisa, que não sabia o que era. Além de todo o sofrimento emocional, sua saúde já estava em risco devido a anos de negligência de sua parte. A vida corrida de um empresário não deixava tempo para dormir e se alimentar direito.

Foi então que um jovem, vestido com uma bata budista e chinelos, entregou a Luís Roberto um livro. Esse livro, de capa dura, com páginas amarelas e roídas, castigado pelo tempo e por traças, descrevia no primeiro capítulo tudo que o jovem empresário sofria: as insônias frequentes, o medo de se abrir com outras pessoas, a busca pelo espiritual. Aquele livro parecia ter sido escrito para ele.

O segunda capítulo do livro usava jargões budistas que Luís não entendia para explicar a solução de todos aqueles problemas. Luís passou noites e noites acordado tentando entender o capítulo dois. Procurou cada um dos termos na Internet atrás de alguma explicação: não encontrou nada.

Foi atrás de um especialista: foi em vários templos budistas espalhados pelo Brasil, ouviu falar muito sobre o budismo e seus princípios, mas nada sobre o capítulo segundo daquele livro misterioso, ninguém, nem mesmo os mestre budistas, entendiam aqueles termos ou os argumentos. Luís já estava quase desistindo quando sua esperança foi reascendida: um jovem discípulo de um templo em São Paulo lhe disse que aqueles termos pertenciam a uma corrente já quase esquecida do budismo, cujos últimos discípulos se encontravam em um templo de difícil acesso na Índia.

Luís então tomou uma decisão: precisava entender aquilo, com a mesma determinação que usou para chegar ao primeiro milhão, chegaria também à felicidade. Sob o risco de perder todo o sucesso material que tinha alcançado até ali, partiu no dia seguinte para as ditas montanhas: descobriria a solução para suas angústias ou morreria tentando. Encontrou, em nova Déli, dois guias que conheciam a área em torno do templo. Foi avisado por todos que muitos morreram tentando lá chegar, que o caminho era cheio de perigos. O jovem milionário não chegara tão longe para desistir.

Depois de seis dias de caminhada pela selva, finalmente chegaram ao pé da montanha, a partir dali seriam dois dias de escalada (havia um pequeno vale onde poderiam acampar mais ou menos a três quartos do caminho). A escalada foi dura, especialmente para Luís Roberto, que não era um grande esportista. No caminho para cima, os viajantes viam cordas rompidas e marcas de unhas que indicavam os fracassos passados, cada uma dessas evidências de perigo deixavam Luís ainda mais determinado.

Finalmente chegou no templo, não acreditava na beleza daquela construção intocada pelos séculos. Tinha um estilo que nunca tinha visto, mas que lembrava os templos zen japoneses. A cada três metros nas paredes havia uma figura monstruosa revestida a ouro. As paredes, sem nenhum defeito, eram pintadas com preto e dourado. O jardim era incrível, cada milímetro parecia ter sido planejado. Como tinha sido construído era um mistério: quem teria levado todo aquele ouro e tijolos? Foi recebido por dois jovens discípulos que vestiam roupas idênticas às do rapaz que lhe entregou o fatídico livro: Luís sentia a mesma excitação que sentiu ao vender a sua primeira empresa. 

Foi levado até o mestre.

Subindo uma escada que não parecia ter fim, dentro de uma pequena construção, atrás de duas estátuas aterrorizantes de leões, estava o mestre. Luís nunca tinha visto alguém tão velho, era difícil determinar a sua idade, devido a penumbra e o fato que o idoso raramente se movia. Mas sua voz entregava o castigo dos anos, disse:

- Eu sei porque tu estás aqui, todos vêm pelo mesmo motivo -- demorou cerca de trinta segundos para terminar essa frase, aparentemente já não falava há dias.

- Então -- respondeu rapidamente o jovem empresário -- me explique, mestre, o capítulo dois.

Até que o mestre respondesse, passaram-se três minutos. Esse tempo pareceu dois anos para Luís, toda aquela espera e dificuldade, que somavam-se aos anos de angústias pessoais, faziam sua mente correr a dez mil quilômetros por hora. Tudo parecia se misturar em seu cérebro, seu coração batia acelerado. Toda aquela adrenalina lhe deixava tonto. Seu coração quase parou quando o mestre começou novamente a falar:

- O homem é o único ser dessa terra que tem a capacidade de alcançar a iluminação. Mas nem todo homem nasce igual. Tu estás acostumado a ter tudo que desejas, mas não te satisfazes. O motivo é que desejas a coisa errada. Não é na riqueza e no poder, nem no amor de mulheres, nem na admiração e inveja de homens, que está a tua satisfação: ela só vai ser alcançada no momento em que descobrires o Sentido da Vida.

- O Sentido da Vida? -- respondeu, incrédulo -- então o mestre sabe o Sentido da Vida?

- Faze o seguinte: vai e encontra a ave azul de patas roxas que fala a língua dos homens, entenderás então o Sentido da Vida.

- Como assim? uma ave azul de patas roxas? o que isso tem a ver com o sentido da vida? é um papagaio? eu não entendo, por favor me explique!

O mestre não disse mas nenhuma palavra. Luís ficou doze horas tentando fazer o mestre explicar melhor o que aquilo significava. Mas o mestre permanecia imóvel, o único movimento que fazia era piscar, apenas uma vez a cada vinte minutos.


Luís saiu de lá desconsolado. Como uma pássaro iria fazê-lo descobrir o Sentido da Vida? Talvez tantos anos em um templo longínquo teriam levado aquele velho à loucura. No entanto Luís Roberto não chegou tão longe para nada, ele não era do tipo que desistia na primeira adversidade. Iria encontrar aquele pássaro ou morrer tentando.

Passou os próximos cinco anos procurando a bendita ave, andou pelos quatro cantos do mundo. Uma pista falsa levava a o outra pista falsa, que levava a um beco sem saída. Buscava cegamente, sem pensar em nada além de seu objetivo. Não perdia um só minuto e não se dava luxo de indulgências. Sua vida era só procurar, procurar, procurar. E enquanto buscava, suas empresas, sem seu comando, foram falindo, uma a uma, até que nada restou de sua fortuna, legado e fama.

Derrotado, Luís Roberto voltou ao templo. Iria implorar ao mestre pela resposta. Se não a conseguisse, se jogaria do alto da montanha, nada mais importava para ele, todos os seus bens e conquistas tinha desaparecido. Enquanto escalava a montanha, desta vez sem a ajude de guias, se sentia estranhamento calmo. Teria se resignado a seu destino? talvez os fracassados sejam livres, livres de responsabilidades, de expectativas. Ainda assim algo lhe roía por dentro: não achara o pássaro, nem o Sentido da vida.

Ao chegar ao topo do templo, não pode nem falar antes de ser interrompido pelo mestre:

- Então jovem que tem tudo que deseja, encontraste o pássaro?

- Não, usei todos os recursos e forças que tinha, mas não encontrei -- dizendo isso, Luís se ajoelhou, e continuou -- por favor mestre, preciso saber, perdi cinco anos da minha vida, só procurei, procurei e procurei. Mas não achei nada.

- Passaste anos procurando o pássaro de penas azuis e patas roxas, se tivesses o encontrado, terias descoberto o sentido da vida. Porém o pássaro não existe.

Nesse momento, Luís Roberto descobriu toda a verdade: o mestre era um pau no cu.

22 de julho de 2012

Um mundo melhor


Eu sempre tento escrever coisas interessantes, mas hoje eu só quero é desabafar: estou cansado de trocar de roupa. Sério. Todo dia é a mesma coisa, acordo de manhã boto uma calça, um casaco. Chego no trabalho, tiro o casaco. Volto para casa tiro o casaco de novo, troco a calça, tomo banho, e daí tiro toda a roupa, sério, tomar banho necessita que tiremos toda  roupa e depois coloquemos, de preferência, outra roupa. É muita roupa sendo trocada, todos os dias.

Pensa bem, temos sete bilhões de pessoas na Terra, assumindo que na média as pessoas trocam de roupa quatro vezes por dia (alguns não trocam nenhuma vez, outros trocam muito). Isso dá 28 bilhões de trocas de roupa por dia. Se convertêssemos tudo isso em energia, poderíamos iluminar toda uma cidade (pequena). A troca de roupas gerais da população pode ser a causa do derretimento das calotas polares.

Imagina um mundo sem troca de roupas, é fácil se tu tentares. Sem a troca de roupas economizaríamos com o mercado têxtil, que polui nosso rios. Mataríamos menos animais, já que alguns bichinhos são mortos somente para que extraíamos suas peles.

E o tempo? um homem geralmente perde dez minutos por dia trocando de roupa, as mulheres muito mais. Vamos assumir que a média é vinte minutos. isso são cento e quarenta bilhões de minutos por dia.   Isso são vinte cinco vidas humanas Ou seja, desperdiçamos vinte e cinco vidas humanas diariamente trocando de roupas. Essas vinte e cinco pessoas poderiam estar inventando a cura para o câncer ou combatendo o crime.

O mercado da moda acabaria. Nos EUA a média do gasto com roupas é seiscentos dólares por ano em roupas e sapatos. Isso são cento e oitenta trilhões de dólares por ano. Com esse dinheiro poderíamos mandar trezentos e sessenta missões tripuladas para Marte em um ano. Quase uma por dia. 

Resumindo, teríamos um planeta mais limpo e com mais recursos, mais tecnologia, mais tempo para nossa família e nossos filhos, mais renda, menos morte de animais inocentes. O mundo perfeito é a mundo sem troca de roupas, faça sua parte, não troques de roupas.

1 de julho de 2012

Shrek roubou nossa alma


Atualizações de status saltam na minha tela com uma notícia incrível: era do gelo 4 saiu e é imperdível. Ler essa frase faz meu sangue correr mais rápido, aumentando minha temperatura corporal. Sinto-me moralmente ofendido.
Sim, eu odeio animações 3d
"Ah, mas são tão bonitinhos e divertidos, por que esse ódio todo?". Vou te explicar, os filmes 3d estão destruindo o cinema e nossa cultura.

Minha primeira experiência com o gênero foi assistindo a um seriado em 3d chamado reboot. Eu, pobre criança inocente, me deleitava com a nova mídia. Na época, o 3d ainda engatinhava, não tínhamos a avalanche de animações que hoje invadem as férias da criançada. Eu achava surpreendente, mal sabia eu que assistia à semente do apocalipse cultural germinando em minha frente.

Na época, 3d era coisa de criança. Devido às limitações técnicas, as formas eram simples e as texturas eram claramente falsas. Tudo tinha um aspecto infantil, era um mundo de brinquedo. O formato não diferia muito das animações convencionais.

O problema todo começou com o lançamento de Shrek. Agora não tínhamos mais só crianças nos cinemas, começamos a ter alguns adultos (jovens adultos sem filhos). Os autores começaram a colocar piadas de duplo sentido, referências culturais e outros conteúdos que as crianças não entendiam. Pouca gente estava se dando conta das consequências terríveis desse comportamento absurdo.

Agora se tornou corriqueiro, cinemas lotados de adultos, casais, velhos, todos assistindo a uma abelha falante com a voz de um comediante famoso. Onde está o comediante? por que ele não aparece? por que vemos o mundo através duma mentira?

O filme de animação é um porto seguro para os jovens casais. Claro que o Ricardinho prefere levar a namorada para ver "Era do gelo 4" do que levá-la para ver o último drama espanhol. O drama pode levar a discussões indesejadas, a reflexões sobre a vida, sobre seu relacionamento. O drama pode levar à verdade. A animação não, as pessoas entram no cinema, o cérebro fica na bilheteria.

Claro que esses filmes tratam de temas da vida real, eles tem que tratar. Mas é tudo escondido atrás de máscaras, atrás de trinta centímetros de tinta e efeitos de iluminação. É muito fácil ignorar a mensagem, é tudo armado para que tu ignores a mensagem. Idealmente não há mensagem. A abelha come mel e dá uma risada, tu ris junto e a Terra gira. A namorada não briga, o namorado não pensa. Saem juntos de mãos dadas como entraram. Fugiram da realidade, eliminaram a realidade.

Como se não bastasse o efeito alienador de tais filmes, ao qual os filmes de Hollywood estão longe de estarem imunes. Esse tipo de filme está acabando com atores de verdade, com vidas de verdade. Em pouco tempo, não iremos mais querer ir ao cinema para ver pessoas de verdades, rostos como os nossos. Claro que não, quereremos ver abelhas comendo mel e roedores caindo de precipícios. Que chata essa reflexão sobre o efeito da morte de um familiar na vida de um cidadão de classe média! quero ver um urso de saia dançando balé.

O vida não refletida não vale a pena ser vivida, o homem que não reflete é facilmente manipulado. O político que rouba teu dinheiro é de verdade, com voz de humana e intenções obtusas. Não é uma abelha de gravata. Nas próximas eleições não votes no urso bailarino.

É por isso que os filmes 3d me corroem a alma. Eles estão criando uma sociedade de alienados que preferem o urso falante que o áspero calvário da reflexão.

25 de junho de 2012

Excesso de informação


Cansei de escrever rebuscado. Escritor que é escritor escreve simple. Sem "esses" nos finais das palavras, ignora a ortografia, a cria. Reinventa a gramática. Escritor toma banho na sanga. Bebe no gargalo e deita direto na areia. 

Mas eu não sou escritor, minha infância foi feliz. Ainda não contrai a tuberculose. Então por que diabos tenho um blog? por que escrevo se não sou escritor? para descobrir a Verdade? O que é a Verdade? qual a cor da verdade? verde? 

Ninguém lê mais, os livros estão em formato binário. As conversas entre amigos estão codificados em utf8. Arte em jpeg. Na tela do cinema um modelo 3d projetado num frame 2d que simula uma visão 3d.

É tudo uma casca, casca de mentiras (não uma casca de mentira, apesar de que não é uma casca de verdade) que esconde nossos sentimentos. A beleza da flor coberta pela sombra da nuvem negra da ilusão.
 
A modernidade entra nos olhos da menina de oito anos. Que clica, preenche formulários, esquece que é animal, que descende do rato que usa para clicar na imagem morta.

Mas quão diferentes somos do rei coroado? das pirâmides vazias e inacabadas? O mundo do homem é símbolo e sempre foi. Nada mudou, os saudosistas se enganam tudo é código, até a violência, a dor, é símbolo. O retorno à natureza é impossível por que lá nunca estivemos. 

É por isso que escrevo, porque violência é símbolo.

7 de maio de 2012

A sociedade das sociedades mortas


Larguei o livro na cama e disse:
- É lua cheia; começa hoje, acho, hoje ou amanhã.
- É?
- É... isso é uma ótima maneira de começar um conto.
E comecei a escrever este conto. Que não é um conto.

O ser humano é formado de orgãos, que são formados de tecidos, células. As células agem de maneira claramente determinada. Agindo cada uma da sua maneira, formam um sistema muito mais completo que elas, nós. Nós não somos claramente determinados. É esperado que seres humanos (ou qualquer outro seres racionais) não tenham capacidade para perceber seu determinismo.

O ser humano se distingue dos outros seres vivos conhecidos porque tem consciência de si mesmo e de sua morte. A morte é a perda do equilíbrio, não representando o fim dos subsistemas, mas a sua transformação em outras coisas.

Não há, no entanto, um consenso do que é um ser vivo. Definamo-o. Um ser vivo é um sistema de sistemas em equilíbrio (de uma forma recursiva) que possui as seguintes características:
  • Nasce
  • Tem a capacidade de se reproduzir
  • Morre
Seres humanos formam sociedades. Uma sociedade claramente nasce (já que elas não existiram desde o início dos tempos), se reproduz (assexuadamente e por brotamento) e morre (é exterminada ou se transforma em outra coisa totalmente diversa da original).

Quando um animal morre, ele está entrando em desequilíbrio. Um animal pode viver sem uma de suas partes (digamos uma perna). Porém, ao perder alguma parte vital de seu corpo (desequilíbrio de um sistema vital), o sistema entra todo em desequilíbrio.

Sociedades e seres humanos agem conforme regras complexas, que podem ser até certo ponto entendidas e usadas para prever futuras ações. Assim podemos tentar entender a sociedade como um ser vivo. Porém, assim como as formigas não entendem o mundo dos humanos (ou podem se comunicar conosco), os humanos não entendem o mundo das sociedades.

Talvez algum dia, senão já hoje, as sociedades tomem consciência de si próprias e de sua morte. Teríamos sociedades se comunicando e mutando, até o ponto de adotar algum tipo de reprodução sexuada. Imagina o sexo das sociedades.

Será que isso é possível? e será que há algum modo de testar essa hipótese? talvez se conseguíssemos nos comunicar com as sociedades, poderíamos fazê-las evoluírem positivamente.

13 de abril de 2012

O monge que roubou minha carteira

1. O Mundo
Criei uma analogia para explicar minha visão de mundo: o mundo é como um grande código de barras e nós, leitores de código. Quando passamos o olho, vemos os numerosinhos relativos ao código. Talvez o código de barras seja multicolorido, ou cheio de curvas. Mas nós fomos desenhados para ler somente os tais dos numerosinhos. Ou seja, somos limitados. Não existe nenhum motivo para não o sermos. Mas o código está lá. Não necessariamente físico, ou digital. Mas lógico. Resumindo, sou cético.

2. O Ateu
Amo o amor orgânico.
Choro a morte definitiva,
velo a alma inexistente.

Amo, choro e velo mais que tu.
E rio.

3. Paulo Coelho
Essa manhã, indo para o trabalho, vi um mendigo que ria com poucos dentes. Sentei ao seu lado e perguntei-lhe o que era felicidade. Ele me disse que felicidade era ter um grande bauru para jantar. Andei alguns metros e vi um empresário, perguntei-lhe o que era felicidade. Ele me disse que felicidade era autonomia, realização e propósito no ambiente de trabalho. Andei mais alguns metros e encontrei um atleta, felicidade, me disse, era vencer obstáculos, ultrapassar limites, atingir a perfeição do físico e do mental. Andando mais um pouco encontrei um monge, ele me disse que a felicidade não existia, que a vida era formada de sofrimento, e que a felicidade, como era vista no ocidente, era só mais uma transfiguração da dor. Que o que se deveria procurar na vida era libertação de toda forma de apego. Andei mais alguns metros e vi uma mãe que encostava a ponta de seu nariz na de seu filho. Ambos riam, e eu fiquei feliz.

24 de março de 2012

Erro é descoberta*


Escrever não é fácil; não é.

A tela branca é um buraco negro. Escreve melhor no ônibus, olhando para a janela, ou no chuveiro. Uma novela deitada na cama. Uma epopeia, esperando o fim da aula. Na mente tudo é mais claro, tudo flui. Ideias encadeiam-se harmoniosamente como um cardume de atum. Caótico, à primeira vista, mas a sua fluidez dá ares de dança ao espetáculo. Mas são só ares, ao aproximar-te, verás que não passam de um monte de peixes. Na mente a ideia é uma mentira.

Sentar-te e por a mão no teclado, ou na pena, é matar o texto. É matar o que sentimos. Porém, deixa a ideia morrer, para renascer como oração. Esqueça o orgulho. A ideia na tua mente, ainda que cheia de graça e bem vestida, não vale nada. Vale mesmo é compartilhada. E compartilhando-a ficas mais rico. Quem escreve é uma pessoa rica -- até os poetas. Cada cem palavras na tua mente, são uma no papel. A cada cem mensagens que escreves, uma vai chegar ao leitor. Mesmo assim, tu és mais rico por escrever, e quem lê é mais rico por ler.

Faze da escrita um hábito. Anda sempre com teu caderninho. Só se aprende a escrever escrevendo. Não te desesperas com a folha em branco. No lugar da folha, olha o céu. Escreve teu poema no ônibus, tua epopeia na cama, tua novela no chuveiro. Suja a folha, molha-a, amassa-a, porque em branco ela não vale nada. Escreve com letra feia, ou tremida do meneio do carro. Mas escreve, sempre. O perfeccionista é o pior escritor, porque nem escritor é.

Quando não souberes sobre o que escrever, faze como eu: escreve sobre a escrita. Pelo menos eu vou querer ler.

links interessantes:

21 de março de 2012

Nunca comeces um artigo com "para mim"


Para mim as pessoas não são assim tão diferentes. As coisas não mudam tanto assim (nem mesmo "nos dias de hoje"). Não mudam e nem mudam para melhor. Tudo é estatisticamente igual.

As leis da física valem aqui na Terra e também no outro lado do Universo. O que mudam são as condições normais de temperatura e pressão e o nível do mar, se mar existir.

O que nos deturpa os sentidos é o ego. Julgamos nossos problemas e nós mesmos especiais. Se assim não fizéssemos, não estaríamos aqui como civilização. Que civilização? sempre o sistema vigente é o mais justo possível. E também o subsequente para seus contemporâneos. Portanto acreditamo-nos o centro dos tempos e da moral.

Se toda civilização é especial, nenhuma o é.

Tudo é subjetivo? essa ideia data ainda do tempo em que acreditávamos que o homem nascia uma folha em branco moral que se era preenchida em seus tenros dias. Hoje sabemos que grande parte de nossas decisões são regidas pela constituição genética. Mesmo se não acreditarmos no determinismo, ainda nos resta a inevitabilidade de uma influência em nossa tomada de decisão.

Se as ações são baseadas na genética, e essa é extremamente similar* entre os seres da mesma espécie. Então não teríamos alguma tipo de objetividade? pelo menos em termos de humanidade.

* exageramos as diferenças por ego. Maldito ego, pai da civilização.