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28 de agosto de 2012

Corpo e Alma Linguística



"[...] Nosso corpo e alma não são dois e não são um. Se você acha que seu corpo e mente são dois isso está errado, se você acha que são um, isso também está errado."

De uma certa forma, eu concordo com esse texto. Corpo e alma não podem ser considerados como duas entidades separadas, nem são a mesma entidade. Corpo e alma não podem se separar porque um não existe sem o outro. Quando o corpo desaparece, a mente desaparece. Já a mente simplesmente não desaparece sem que o corpo não tenha desaparecido. Falando assim parece que a mente é um aspecto do corpo, isso também está errado. A mente emerge como estrutura através do comportamento do corpo. Então na verdade a mente não existe no sentido material, mas num sentido estruturalista.

No parágrafo anterior eu dei a minha visão sobre a questão da dualidade. Mesmo que ela esteja errada, qual a diferença entre o meu texto e o do mestre Suzuki Shunryu? A linguagem empregada. Esse tipo de linguagem é frequentemente utilizada em textos budistas ou textos filosóficos orientais. A princípio parece cercado de paradoxos, e é.

O budismo Zen tem como raison d'être o Satori, a iluminação. Para atingir essa iluminação, os estudantes são expostos a diversas histórias e enigmas, chamados Kooans. Essas histórias, minadas de paradoxos e linguagens obscurantista, visam mostrar ao discípulo uma outra visão sobre o mundo, algo que ainda não pode ser expressado por palavras. Como base do Zen budismo, temos a ideia de que precisamos extrapolar a linguagem para entender a Verdade. Ou seja, a premissa é que a linguagem e a lógica são ineficientes para compreender a Realidade.

Ora, é obvio que a linguagem não pode expressar toda a realidade. Os olhos não podem enxergar tudo que existe porque o mundo não foi feito para os olhos, e sim o inverso. Da mesma forma a linguagem e o raciocínio emergiram como estruturas em seres finitos, com necessidades finitas. Isso, no entanto, não significa que a linguagem não possa ser desenvolvida, os seres humanos estão melhorando a linguagem há séculos. Esse tipo de linguagem "experimental" tem o seu papel no desenvolvimento da linguagem.

Porém, outra explicação para o paradoxismo do budismo seria malícia. Envolver um texto em paradoxos tem um uso muito prático: te permite nunca estar errado. Se eu postulo que não é verdade que A ou não A, pela lógica clássica eu estaria errado. A proposição A ou não A é uma tautologia. No entanto, se a ciência de alguma maneira descobre que não A, é muito mais fácil adaptar a tua ideologia para acomodar esse novo fato do que se o teu texto dissesse com todas as letras A. Difícil mas não impossível, vide firmamento.

Usar paradoxos é mais uma maneira de ser vago, poético ou pseudo profundo. É a garantia de que qualquer besteira que tu disseres poderá ser clamada como sabedoria, somente depois que a ciência descobrir, claro. 

Então, na tua opinião, o budismo é obscuro porque é budismo ou é budismo porque é obscuro?

20 de junho de 2011

Texto inconsistente, mas completo.

Todos são inconsistentes. Seria quase impossível para uma mente humana não ter nenhuma inconsistência em seu raciocínio. Independente de como o sistema nervoso funciona, poderíamos dizer que guardamos dezenas de milhares de asserções em nossas cabeças. Checar cada uma delas par a par seria uma tarefa computacional intratável, ainda mais porque muitas vezes não possuímos as ferramentas intelectuais para verificar que duas proposições são contraditórias.

Um exemplo de duas proposições contraditórias que muitas pessoas mantêm (uma boa parte religiosa) é se opor fortemente ao aborto, mas apoiar a pena de morte. O problema não é intrínseco ao fato de ambas tratarem do ato do assassinato cometido por um terceiro. Mas sim dos argumentos levantados por seus defensores. Dois dos argumentos mais comuns contra o aborto são a santidade da vida e a potencialidade de cada indivíduo (geralmente há um apelo emocional envolvido, "imagine se tu abortasses Beethoven ou Einstein"). De outra parte temos a vida do culpado. Não era toda vida sagrada? o culpado não poderia se tornar um grande artista ou cientista em alguns anos?

De fato, checar nossas crenças par a par não seria o suficiente, algumas vezes teríamos que comparar diversas suposições para finalmente chegar em uma inconsistência. Como um parêntese, esse tipo de raciocínio não só levaria anos para ser feito, como não poderia ser automatizado. Portanto, mesmo que conseguíssemos colocar todo o conhecimento do homem em uma máquina, não poderíamos criar um processo que checaria a consistência de toda essa informação.

Em discussões, uma das armas preferidas para acabar com o oponente é apontar suas inconsistências. Todo o assunto polêmico tem esta propriedade: tomar qualquer posições te dá a obrigação de tomar diversas outras, algumas vezes pouco relacionadas, para evitar incoerências.

Outro artifício de argumentação é forçar incoerências. Por exemplo, relacionar homossexuais a negros, e usar o apoio aos direitos de um grupo como um impedimento à aposição do outro. Quando enfrentamos tais contradições, não é raro tentarmos minimizá-las utilizado generalizações. O problema dessa abordagem é que toda generalização destrói o contexto. No exemplo supracitado, dada generalização, poderíamos concluir que matar um ser humano é sempre errado. Nesse caso perdemos todo um gradiente de casos em que a morte de um ser humano poderia ser necessária, como em um caso de defesa pessoal. Ou um caso de um feto que traria riscos de vida à mãe caso a gravidez continuasse. Temos, no último caso, duas vidas em jogo. Porém o valor dessas vidas não é igual. A mãe com suas diversas experiências e memórias, valor para sociedade, valor para seus amigos e familiares, seria talvez sacrificada devido à santidade de um feto que nem sabemos ao certo se conseguirá sobreviver ao parto, e que possui pouco valor para qualquer um que não seus pais.

Dessa forma, temos somente uma opção: assumir que nossas bases ideológicas são incoerentes por natureza e que somente compreendendo a natureza dessas incoerências de uma maneira honesta poderemos chegar a uma posição mais livre de contradições.

Esse artigo tem uma contradição; tu consegues identificá-la?

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