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13 de janeiro de 2013

Três Contos Curtos Sobre o Amor e os Coletivos


1. Impressões
As ranhuras das impressões digitais de Lucas tinham a quase probabilisticamente impossível estrutura que encaixava perfeitamente com as de Mariana. Seus dedos se tocaram uma vez quando Mariana dava o troco para Lucas. Na hora tiveram uma sensação que nenhum dos dois pôde descrever. Lucas desceu com pressa na próxima parada. Nunca mais se tocaram.

2. Paz
Era um dia muito quente, hora do rush. O ônibus estava lotado e o transito, parado. Aparentemente um acidente tinha acontecido há algumas centenas de metros a frente. Alguns iam para o trabalho, a maioria voltava para casa. Com a impaciência esperada depois de um dia de trabalho estressante, quente e longo, os passageiros mostravam visivelmente sinais de cansaço. Muita gente de pé, apertada, muita gente suada. O ar da rua e o do ônibus pareciam se digladiar, assim ficavam cada um em seu espaço.

Em uma das cadeiras estava sentado um homem bem vestido e alto. Cabelos cheios de gel, penteados para trás e a barba bem feita. Seu terno parecia ter sido cortado sob medida. Seus sapatos brilhavam mais que o asfalto escaldante lá de fora. Gotas de suor escorriam de sua testa e de suas mãos.

Em seu colo havia uma pasta, dessas que se põe dinheiro em filmes. O homem abriu a pasta lentamente, tirando uma carteira de cigarros. Retirou um e o pôs na boca. O clima no ar repentinamente se transformou. Atônitos, os passageiros pareciam estar vendo uma cena do apocalipse. Talvez um assalto teria causado menos consternação.

O homem de terno então acendeu o cigarro. Comentários começaram a ser ouvidos no, até então silencioso, ônibus. "O senhor não pode fumar aqui dentro" -- um homem corpulento que estava a seu lado protestou. A senhora religiosa do outro lado do ônibus comentou que aquele homem só podia estar com algum encosto. Uma jovem alta e magra tapou o nariz, preocupada com os perigos de ser um fumante passivo.

O cobrador se levantou consternado, mandando o engravatado apagar aquele cigarro, que aquilo incomodava os outros passageiros. Que era proibido. Que ele ira ser autuado.

Os jovens no fundo do ônibus começaram a gritar. Uma velha, que levava um terço na bolsa, começou a rezar. O homem gordo começou a ficar vermelho.

O motorista então se irrita e abre a porta. Mesmo que o ônibus esteja no meio do engarrafamento, e que ele possa ser multado por isso, grita que se o homem não apagar aquele cigarro, terá que sair do ônibus.

O homem de terno calmamente fecha sua pasta, levanta-se e desce do coletivo. Caminha entre os carros tranquilamente, apertando seus olhos e olhando para o céu.

Quarenta e cinco minutos de caminhada, na sublime paz dos homens de bem.

3. A Marca Feia
Ainda que dissesse que já tinha o esquecido -- e que até mesmo o tenha postado no Facebook --, sempre que passava por aquela rua, lembrava do dia em que ali sentaram juntos na sarjeta. 

Ela queria que houvesse um corretivo líquido para o cérebro. Mas as vezes o risco é melhor do que a marca feia do Errorex. Talvez seja melhor um caderno sujo que um vazio.

10 de janeiro de 2013

O inferno são os outros


Todo mundo filosofa. Seja na mesa do bar, ou no banco do ônibus. Filosofia pode ser feita em grupos de dez, ou sozinho no elevador. Não precisa ter diploma, nem certificado. A maioria das pessoas filosofa e nem percebe. Também pode ser feito em qualquer idade. Eu comecei a filosofar quando tinha cinco anos. A primeira questão que ocupava minha mente ainda não totalmente desenvolvida era:
Por que eu sou eu e não outro? como seria ser outro?
A pouco tempo eu aprendi que as crianças bem novas não tem a noção de que seu cérebro é separado dos outros. A criança não entende que o que ela sabe nem todos sabem. Vi um experimento no qual uma menina é deixada pela mãe sozinha em uma sala. Nesse meio tempo ela esconde uma boneca em uma gaveta. Quando sua mãe volta, a menina fica surpresa de descobrir que a mãe não sabe onde está a boneca. Como ela não sabe onde está a boneca? está dentro da gaveta. Para a menina, tudo que ela sabe, a mãe também sabe.

Lá pelos quatro anos de idade, finalmente começamos a entender que existem outros. Começamos a criar a "teoria da mente". Modelamos o comportamento de outras pessoas tendo em vista que não têm os mesmos gostos e conhecimentos que os nossos.

Porém ainda fica a curiosidade de saber como é ser outra pessoa. Talvez essa curiosidade ajude na hora de modelar o comportamento dos outros. Por isso biografias são tão populares. Queríamos estar na pele de outrem, saber como é sentir outras experiências, outra realidade.

Reality shows são populares também por esse motivo. Somos voyeurs naturais, queremos saber os verdadeiros motivos, a verdadeira personalidade de todos.

E enquanto criança, sempre me imaginava como outro. Imaginava acordar em outra cama, estar em outro uniforme. O que influenciou profundamente a maneira como eu vejo o mundo. Tenho uma dificuldade muito grande de apontar culpados, de condenar.

"Quero ver se fosse com a tua filha". Para mim as respostas não são simples, não acredito no bem e no mal. No Certo e no Errado (com letras maiúsculas). Sempre existe uma situação agravante, um desbalanceamento químico, uma coincidência indesejada.

E isso se estende para nós mesmos: olhamos para o passado e nos julgamos. Somos os piores juízes e executores da nossa própria sorte. Mesmo que tenhamos mais conhecimento do que qualquer um para fazer tal julgamento, somos duríssimos na pena.

Algo muito mais válido que Moralidade, que é fossilizada e morta, é compaixão. Eu prefiro mil vezes alguém que se põe no lugar do outro, do que alguém com aquele forte código de honra cravado em pedra. E teríamos uma sociedade muito mais feliz se antes de condenarmos, tentarmos entender o nosso amigo ser humano. E mais que tudo: tentarmos entendermos nós mesmos. Conhece-te a ti mesmo.

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