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12 de maio de 2013

Cristina, a garota que não se importa com o que os outros pensam - Parte I




Cristina, ela gostava de dizer, não se importava com o que outros pensam. Não sabia, por certo, quando deixou de se importar. Sabia, contudo, que não era intrínseco o seu desprezo pelas opiniões alheias.

Era uma menina tímida e estudiosa no colégio. Gostava muito de ler e frequentemente matava as aulas de educação física para ler sozinha, escondida. Muitas meninas se traumatizam por se desenvolverem mais tarde que suas pares. Cristina não se sentia assim, amadurecia lentamente, tomando seu tempo. Apesar de um pouco esquisita como toda adolescente, já mostrava grande beleza descuidada.

De fato, não dava bola para aparência. Talvez os hormônios não tivessem o efeito necessário em seu sistema, mas naquele ponto não demonstrava grande interesse pelo sexo oposto. Um pouco deslocada nos âmbitos físico e de interesses, Cristina não formou grandes amizades no ensino médio. Não se importava muito com solidão e até sentia prazer em experienciar um completo silêncio e desligamento do resto do mundo. Algo que não é comum hoje em dia.

Tudo mudou quando o mundo a notou bela. A corrente de atenção despertada pela recém desperta beleza, somado com o ar de mistério e de pureza que lhe traziam fama na escola, lhe confundiu e atordoou. Teve que aprender na marra o jogo social e as regras mudas que regem a hierarquia feminina. Como toda jovem bela, ignorava os benefícios e os privilégios que a beleza lhe trazia.

O final da adolescência é o momento em que definimos nosso caráter e nossos valores. Meio que atirada no meio de um transporte em movimento, ela teve que improvisar uma personalidade. Cristina definiu-se então pelo seu diferencial em relação a seus pares. Todo mundo se acha especial. Ela se definiu completamente como alguém sem igual. Incompreendida, Cristina não se identificava com ninguém que conhecia. Via algumas características suas nas heroínas dos livros ou filmes que assistia. Mas ainda assim achava que não pertencia ao nosso mundo.

Não via televisão e se orgulhava disso. Deu desejo de ser diferente controlava sua vida. Se alguém gostasse de algo, seria impossível para ela gostar daquela coisa. Assim seus gostos se reduziam a peças obscuras e "bandas que ninguém conhece". Seu modo de se vestir e pensar começaram a ser a pura antítese do que estava na moda. Assim se tornou uma mera escrava da contrariedade.

Falava frases polêmicas somente para polemizar. Agia de maneira irresponsável somente para se definir. Beijava e se deitava porque podia. Seu maior medo era que descobrissem como sua personalidade era rasa. Que embaixo da roupa que beirava o ridículo, existia só uma menina tímida que não gostava de jogar vôlei.

Ela não era burra, se deu conta de seu distúrbio. Porém era tarde demais. O que a levou a um novo estado de consciência: sabia que estava presa na fuga do cliché. A paradoxalidade da sua situação era tão confusa quanto tudo que é trivial parece a uma adolescente. Era o pior sentimento de todos, o de se sentir aprisionada depois se sentir infinitamente livre. Sentia que aqueles que nasciam no cativeiro acabavam por se acostumar. Mas para o pássaro que pensava que tinha voado mais alto do que todos os outros era o pior do sete infernos acabar em uma gaiola.