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28 de agosto de 2012

Corpo e Alma Linguística



"[...] Nosso corpo e alma não são dois e não são um. Se você acha que seu corpo e mente são dois isso está errado, se você acha que são um, isso também está errado."

De uma certa forma, eu concordo com esse texto. Corpo e alma não podem ser considerados como duas entidades separadas, nem são a mesma entidade. Corpo e alma não podem se separar porque um não existe sem o outro. Quando o corpo desaparece, a mente desaparece. Já a mente simplesmente não desaparece sem que o corpo não tenha desaparecido. Falando assim parece que a mente é um aspecto do corpo, isso também está errado. A mente emerge como estrutura através do comportamento do corpo. Então na verdade a mente não existe no sentido material, mas num sentido estruturalista.

No parágrafo anterior eu dei a minha visão sobre a questão da dualidade. Mesmo que ela esteja errada, qual a diferença entre o meu texto e o do mestre Suzuki Shunryu? A linguagem empregada. Esse tipo de linguagem é frequentemente utilizada em textos budistas ou textos filosóficos orientais. A princípio parece cercado de paradoxos, e é.

O budismo Zen tem como raison d'être o Satori, a iluminação. Para atingir essa iluminação, os estudantes são expostos a diversas histórias e enigmas, chamados Kooans. Essas histórias, minadas de paradoxos e linguagens obscurantista, visam mostrar ao discípulo uma outra visão sobre o mundo, algo que ainda não pode ser expressado por palavras. Como base do Zen budismo, temos a ideia de que precisamos extrapolar a linguagem para entender a Verdade. Ou seja, a premissa é que a linguagem e a lógica são ineficientes para compreender a Realidade.

Ora, é obvio que a linguagem não pode expressar toda a realidade. Os olhos não podem enxergar tudo que existe porque o mundo não foi feito para os olhos, e sim o inverso. Da mesma forma a linguagem e o raciocínio emergiram como estruturas em seres finitos, com necessidades finitas. Isso, no entanto, não significa que a linguagem não possa ser desenvolvida, os seres humanos estão melhorando a linguagem há séculos. Esse tipo de linguagem "experimental" tem o seu papel no desenvolvimento da linguagem.

Porém, outra explicação para o paradoxismo do budismo seria malícia. Envolver um texto em paradoxos tem um uso muito prático: te permite nunca estar errado. Se eu postulo que não é verdade que A ou não A, pela lógica clássica eu estaria errado. A proposição A ou não A é uma tautologia. No entanto, se a ciência de alguma maneira descobre que não A, é muito mais fácil adaptar a tua ideologia para acomodar esse novo fato do que se o teu texto dissesse com todas as letras A. Difícil mas não impossível, vide firmamento.

Usar paradoxos é mais uma maneira de ser vago, poético ou pseudo profundo. É a garantia de que qualquer besteira que tu disseres poderá ser clamada como sabedoria, somente depois que a ciência descobrir, claro. 

Então, na tua opinião, o budismo é obscuro porque é budismo ou é budismo porque é obscuro?

26 de agosto de 2012

Isso é água


As coisas mais simples, mais clichés, também são as mais fáceis de ignorar. Se tu deixares a vida te leva. E mesmo te movimentando, tu não sairás do lugar.

Adquirir consciência não é sobre alcançar as grandes verdades, mas saber de cor as coisas simples. Esse post é cliché de propósito.

25 de agosto de 2012

Drogas abrem tua mente?


George Carlin e Bill Hicks, dois comediantes americanos, em certo momento de suas vidas experimentarem drogas alucinógenas; em várias entrevistas e mesmo em suas performances reportaram que essa experiência abriu as suas mentes, mudando para sempre a forma como pensavam.

É isso que eu preciso! Traz o chá margarida!

Calma, calma meu amigo. Nem todas as pessoas que usaram drogas acabaram seu tornando George Carlin ou Sócrates, muitos viraram vagabundos. Além disso existem autores geniais que não precisaram desse tipo desse artifício para criarem suas obras primas.

Já que não é necessário e nem suficiente, talvez as drogas sejam pelo menos um potencializador do talento: talvez elas sejam uma forma de despertar o gênio que vive dentro de ti (ou, se tu não queres ser um artista, uma pessoa mais consciente do Universo, dos seres e de outros planos de existência).

Bom, para começar, os artistas citados já eram talentosos antes de usá-las. Não há como saber se se eles não tivessem utilizado drogas, eles não seriam tão geniais quanto acabaram sendo.

Existem uma coisa que tem muito mais co-ocorrência com genialidade: trabalho. O que eu observo em grandes artistas é que em geral são pessoas quase obsessivas em relação ao seu trabalho, passando um número obsceno de horas desenvolvendo suas habilidades.

Drogas podem causar certos tipos de neurose e esquizofrenia. A última é associada na mídia a gênios, principalmente da matemática. A esquizofrenia pode levar a um comportamento obsessivo que, se aplicado corretamente, pode ser benéfico para a habilidade do artista. Porém o efeito é uma loteria, podem muito bem levar a uma obsessão diferente do que a desejada, por exemplo obsessão sobre o comportamento dos duendes que vivem no banheiro.

As drogas podem te levar a experiencias diferentes e enriquecedoras, mas essas experiencias podem ser trazidas também pela simples vontade de tê-las. O mundo está cheio de oportunidades para quem não está com medo de meter a cara.

Então a possibilidade danificar o teu cérebro pode sim te trazer benefícios, mas é um preço bem caro a pagar.

Tudo isso que tu estás dizendo é porque tu tens medo! medo de abrir tua mente.

Primeiramente, só o medo não é um argumento necessário para descartar alguma ideia. O medo é natural no ser humano e devemos combater o medo irracional. Porém ele também pode ser benéfico. Sim, eu tenho medo de atravessar o oceano Atlântico a nado, porque eu sei que eu morrerei fazendo isso, mas isso não significa que atravessá-lo é uma boa ideia. 

Além disso, equalizar "abrir a mente" com drogas é justamente a proposição que eu mostrei falsa aqui nesse artigo. As drogas são uma fuga da realidade, uma fuga das responsabilidades. A droga é ouro para a racionalização, uma jogada com baixa de probabilidade de sucesso a qual tu podes culpar quando tudo der errado.

Adoramos atalhos, "perca doze quilos em um mês", "aprenda alemão em duas semanas", "fique rico trabalhando em casa quatro horas por semana". Atalhos existem, sempre há uma maneira mais eficiente de fazer as coisas, mas a maioria dos que são comercializados são óleo de cobra. Desconfia quando a esmola é demais. É preciso ter um olhar cético para esses tipos de estratagemas. Existe uma outra forma de te tornares uma pessoa diferente. Uma forma que, ainda que não necessariamente a mais rápida, é muito mais segura: trabalhar. Sentar a bunda na cadeira e estudar, sair por aí e agir.

Então talvez uma outra maneira de "abrir tua mente", seja simplesmente trabalhar para isso. Lê muito, conversa, te arrisca. Talvez demore muito mais do que uma noite tomando chá e vendo a Virgem Maria, mas ao menos é real, vem do teu esforço. Não é jogar os dados com Deus.

E o álcool? 
Já notaste que esse poder de modificação do modo de pensar é atribuído muito menos ao álcool do que as drogas ilícitas? atribuo isso ao fator mistério. A bebida foi largamente mais estudada que os drogas, todos sabem dos seus efeitos de desinibição e de redução do juízo, dos efeitos no fígado e no cérebro. As drogas, principalmente as mais novas e mais exotéricas, não dispõe da mesma disponibilidade de conhecimento existente. Assim, como tudo que não conhecemos, atribui-se o fator mistério às drogas ilícitas. Aqui vale a heurística de desconfiar de quem baseia seu argumento nos mistérios do Universo.

Sim, existem artistas que usam álcool para se desprender, mas isso em geral é mal visto: mais uma vez isso é uma forma de fugir do problema. O álcool é necessário, mas não é suficiente para desinibir, então é só uma forma não saudável (se consumido em excesso) de prolongar um problema que pode ser resolvido sem o seu uso. 

23 de agosto de 2012

Não suporto mais ele! Dicas para mudar o seu namorado.


Só há amor quando não existe nenhuma autoridade.
Raul Seixas
Esse blog tem "relacionamentos" no subtítulo, mas exceto raras exceções, não falei muito aqui sobre as dificuldade dos relacionamentos.

Relacionamentos não são fáceis, isso a amiga leitora já sabe. Em 2011 tivemos, no Brasil, recorde de número de divórcios. Todos já viram a transformação de jovens casais apaixonados em pessoas que já não podem nem suportar a presença um do outro. Será que todo relacionamento tende ao fim ou ao casal apenas se suportando?

Quando um relacionamento começa, não percebemos os defeitos da cara metade, ou fazemos vista grossa ou os defeitos não nos incomodam. Quanto mais íntimos ficamos, mais esperamos que a parceira aja de uma certa maneira. Alguém cobra algum tipo de comportamento (por exemplo, não deixar papeis espalhado na mesa) e então tu também começas a cobrar certas coisas (baixar a tampa da da privada). A repetição do mesmo comportamento -- na nossa cabeça a falha em mudar -- nos faz querer reclamar, corrigir, o que por sua vez leva o parceiro a se irritar pela situação.

O casal vira uma pequena sociedade, onde existe uma batalha por um conformismo não ditado por ninguém. Essa batalha nos leva a um mal-estar, trazido pelo desconforto de ter o seu comportamento (a coisa que te faz quem tu és) julgado como errado inúmeras vezes. Todo esse desconforto e brigas começa a ser tratado como uma crise na relação. O casal começa a buscar soluções, mas usando as mesmas técnicas utilizadas com relações de trabalho, ou de amigos. Começam a procurar quem é o algoz e quem é a vítima. Essa culpabilização nos faz, mesmo se acreditarmos que realmente temos coisas que precisam ser mudadas, ter uma resistência em mudar. Devido a busca irrelevante pelo "culpado", ou "justiça", ninguém muda.

Só podemos mudar a nós mesmos.
Infelizmente, não controlamos as outras pessoas. Mas controlamos a nós mesmos. Tente avaliar as críticas do parceiro, tu realmente está errado? não interessa o que ela fez que te levou a tomar as atitudes que tomaste, ou tu agiste certo ou errado. Além disso, antes de fazer qualquer crítica a tua namorada, pensa se tu faria o mesmo por ela (com algumas exceções lol); se a resposta é não, então talvez a crítica não seja construtiva.

Tenta mudar. Com certeza mudanças positivas no relacionamento vão resultar da tua mudança de comportamento, só o fato de não te fazer de vítima, já vai aliviar a situação. Isso vale para tudo na vida, se tu agires como uma vítima, vais ser sempre a vitima.

22 de agosto de 2012

A voz cruel que te impede de realizar os teus sonhos


Existe uma voz, que está dentro de todos nós. Ela está lá para desmerecer nossos pequenos sucessos, e para aumentar nossas pequenas derrotas. Uma voz que ninguém controla, que odeia mudanças, que adora planos.

Ela te manipula. No fim de semana ela te convence a começar a fazer exercícios só na segunda. Na academia ela te convence de que tu és fraco, ou gordo demais, ou não és bom nos esportes. No dia seguinte ela está lá para te dizer que tu merece um dia de descanso. No outro para dizer que tua perna ainda dói, que o melhor é esperar mais um dia. 

Ela critica tua obra, repete a opinião negativa dos outros, ignora a positiva. Ela te põe medo, te faz desistir. Ela fica do teu lado, enquanto tu crias, criticando cada detalha da tua criação. Te mandando parar, te criando distrações.

Ela te faz esperar o momento certo, a ferramenta certa, a pessoa certa. Ela te faz esperar as oportunidades ao invés de criá-las. Cada pequeno avanço no teu esforço, ela vai achar pouco, ela vai te convencer da impossibilidade dos teus sonhos.

Essa voz que Steven Pressfield chama de Resistência, os cristãos chamam de Lúcifer e eu chamo de Racionalização.

Não escutá-la é difícil. Ela é mais persistente que Sísifo, não se cala nunca, quanto mais difícil a tarefa, mais forte ela fica. Ela ganha qualquer argumento. Nem sempre fala de dentro do teu inconsciente, as vezes toma forma de crítico, as vezes de familiares e amigos: descansa um pouco, tu tens que sair mais, tu tens que vir beber conosco.

Não sei ao certo das origens dessa voz, mas ela é cruel, até mesmo as pessoas mais simpáticas do mundo dirão coisas horríveis a si mesmos: "você é um incompetente", "não fizeste nada de útil hoje", "você não serve para nada". Essas pessoas nunca diriam isso -- nem pensariam isso -- para ninguém, mas a voz é sempre cruel e mesquinha.

Se tu tens algo que queres muito fazer, e que pensas que é impossível, só há uma maneira: vencer essa maligna voz. E para vencê-la, joga o jogo dela: a persistência. Ignore-a. Comemora cada sucesso por menor que seja. Toma consciência que essa voz não é tu. Essa voz é a da derrota, da situação.
Perna doendo? dói pouco; vou correr.
Só cinco repetições? ótimo, amanhã faço seis.
Este quadro está feio? está muito melhor que os meus primeiros, o próximo vai ser ainda melhor.
Esse artigo está mal escrito? amanhã o re-escrevo.
Esforço é como juros, se compõe. Com o tempo a vozinha vai perder a força, até se perder dentre teus muito sucessos. O importante é não desistir, é depositar todo mês, comparecer.

19 de agosto de 2012

Compartilha nas redes sociais


Aqui estão dez coisas que todo empresário de sucesso faz antes de tomar café a manhã, por favor compartilhem no Facebook, Twitter e Google+. Leiam as partes em negrito. Não tudo de uma vez, claro, leiam 5 frases, chequem o Facebook, e voltem para ler o resto. Retwitem, curtam, dêem um +1. Façam um comentário de uma linha, mais superficial que o artigo.

Somos, com orgulho, superficiais, não no sentido hippie (preocupados apenas com coisas materiais), mas no sentido que não analisamos mais nada com profundidade. Eu, mesmo escrevendo sobre isso, estou com cinco abas abertas.

Empregadores hoje procuram pessoas multitarefa, isso não existe. Estudos comprovam que quando estamos fazendo várias coisas ao mesmo tempo, o cérebro fica mudando o foco rapidamente entre uma tarefa e outra. Estamos, de fato, treinando nosso cérebro para não se concentrar em nada. Multitarefa é a única coisa que quanto mais tu praticas, pior tu ficas. Não nos concentramos em nenhuma das tarefas, fazendo todas de maneira relapsa, medíocre.

Mas é justamente mediocridade o que a sociedade quer. Para atingir o maior número de pessoas o texto precisa ser curto, em listas e com várias palavras em negrito. Os blogs mais famosos hoje são os que se resumem a imagens sem graça, apelativas e vídeos violentos ou infestados de memes fracos.

A sociedade não quer qualidade ou profundidade, mas velocidade e baixo custo. O durável é caro demais, quem quer ter um sofá que dura dez anos? eu gosto de ter uma sala de estar nova por ano. Procura-se aumentar cada vez mais a produtividade, mesmo que seja para produzir somente lixo. Temos que ser acadêmicos T, polímatas, multitarefas, dinâmicos. Temos que saber usar Excel, Word, Access, PowerPoint, Dreamweaver  Photoshop, Flash, Ajax, HTML, CSS, VB, .NET, PHP, CGI, CFC, PC, PVC, PP, PET, PT, PMDB...

Para! para e pensa, tu não precisas desse novo tablet. Tu não precisas desse carro. Fecha o chrome e abre um PDF.

18 de agosto de 2012

Qual a diferença entre Windows 64 bits e 32 bits? (para leigos)


Bom, a versão curta da resposta é que programas (por exemplo Word, Photoshop ou Call of Duty) desenvolvidos para a versão 64 bits do Windows podem ser mais rápidos. Além disso, eles podem usar mais memória RAM.

-- Espera aí! se eles usam mais memória, significa que são piores não é? meu windows tá sempre travando porque tá usando muita memória.

Calma, calma. Vamos começar de novo. A memória RAM (a partir daqui só memória) serve para armazenar dados, por exemplo, o nome dos programas que estão abertos, o texto que tu estás digitando no Word e não salvaste, as imagens que estão aparecendo na tela do computador, etc. Esses dados não ficam espalhados aleatoriamente, cada um deles tem um número associado, como um CEP.

Imagina que a memória é uma cidade (observe a imagem abaixo), com muitas casinhas. Cada casinha tem um CEP. Dentro dessas casinhas tem alguma informação. Por exemplo, na casinha com CEP 123, está o teu nome, na casinha com CEP 124, está uma imagem do Sílvio Santos, e por aí vai. Então quando o computador precisa encontrar alguma informação, por exemplo, a foto do apresentador, ele vai na posição 124 da memória e lá está ele sorrindo.

Todo mês surge uma memória nova, cada vez maior. Eu tinha, há alguns anos, um computador com 1GB de memória, meu atual tem 4GB. O problema é que os computadores não estavam mudando. Imagina que o CEP da nossa cidade tem 4 dígitos, isso significa que podem haver no máximo 9999 casas com números diferentes. O que acontece quando queremos construir mais casas? é simples, aumentamos a quantidade de dígitos do CEP.

A quantidade de números disponíveis para localizar informações na memória era antes 32 dígitos binários, agora é 64, ou seja, os computadores poderiam guardar, em teoria, 2^32 vezes ou 4.294.967.296 vezes mais informação do que em máquinas de 32.

Isso para jogos significa mais bonequinhos na tela, mais detalhes nas texturas, ou o que quer mais que os criadores de jogos fazem hoje em dia.

-- Tá, mas isso não respondeu minha pergunta, como mais memória significa ser mais rápido?

Essa é um pouco mais difícil. Sabe aquela imagem do Sílvio na tua memória? imagina que a cada dez minutos tu precisa ver o sorriso do apresentador. Não sei porque tu fazes isso. Mas o fato é que essa imagem está sendo muito mais acessada do que outras coisas na tua memória, então o computador, muito maroto, deixa a foto do Sílvio bem perto para ficar mais rápido acessá-la. O problema é que (por questões econômicas e físicas) esse espaço perto é limitado, ele só vai guardar ali as coisas mais constantemente acessadas. Os computadores de 64 bits são mais rápidos porque podem guardar mais coisas pertinho.

Faltou a última questão, compatibilidade. Os computadores de 64 bits podem rodar programas feitos para os de 32, mas o inverso não é verdade.

Gostaste? ficaste com alguma dúvida? comenta!

Para os mais avançados, além da página da Wikipédia, tem esse artigo bem completo sobre a arquitetura de 64 bits.

17 de agosto de 2012

Estou com uma dor no calcanhar


Casal se beija. Ela com seu calcanhar no ar e a ponta do pé tocando o chão, ele com os braços em volta de sua cintura, suas mãos descem lentamente em direção à bunda. O casal chama a atenção do público: fala-se sobre o beijo, a mão, a bunda, a indecência, a sociedade, seus cabelos, suas idades, mas o calcanhar não ganha nenhuma atenção.

O único calcanhar famoso é o de Aquiles, e é famoso porque levou uma flechada. Pobres calcanhares. O calcanhar só é lembrado quando se machuca.

Existem pessoas que tem fetiche por pés, mas quem tem fetiche por calcanhar? existe o podólogo, mas onde está o calcanhorlogo? Em Hollywood, na calçada da fama, os famosos deixam as marcas de suas mãos. Onde são deixadas as marcas de calcanhar?

Quando se chega tarde em casa, para não se acordar a mulher ou os pais, dizem para pisar na ponta dos pés, porque não na ponta dos calcanhares?

Se pede a mão de uma mulher em casamento, os espíritos vêm puxar nossos pés enquanto dormimos, mas quem pede ou puxa o calcanhar? Se dá uma mão para ajudar a vizinha, se beija os pés da pessoa idolatrada. Mas quem dá ou beija o calcanhar?

Não se pede, puxa, dá, ou beija o calcanhar. Ele só é alvejado. Lembramos dele quando dói e já que a dor alimenta a poesia, aqui eu clamo aos poetas, que façam um ode ao nosso amado calcanhar.

16 de agosto de 2012

O amor talvez não exista


1. Amor Recíproco 
- Tu não a amas, tu queres que ela te ame, é diferente.
-Eu a amo e espero que ela um dia me ame. Só que ela continua se apaixonando por esses tipos... tão diferentes de mim, talvez eu tenha me enganado e nós não fomos feitos um para o outro.
Um diálogo entre uma menina de dezesseis anos e um homem mais "experiente".
A maioria das histórias envolve algum tipo de triângulo ou outra forma geométrica amorosa. É porque a gente não escolhe quem ama e nem quem nos ama. As vezes o amor é certo, mas o tempo é errado, as vezes o tempo errado dá origem ao amor certo.

O amor talvez não exista, ou talvez seja a única coisa que exista.

2. Amor que acaba
"Eles são eternamente apaixonados", Deus me livre. O bom do amor é que ele acaba. E nos faz dar aquele sorriso na parada do ônibus, esperando no aeroporto, aquele sorriso que só a gente entende. Talvez melhor que os momentos que geraram a lembrança.

3. Amor Cliché
Do amor é bom até a dor, daí a famosa rima pobre que enriquece as canções populares. O que seria delas sem o amor cliché? amor é cliché mesmo, já foi vivido e sofrido tanto que não há mais nada para viver que já não esteja documentado. Mas ler sobre a escalada do monte Everest e ver o mundo lá do alto são coisas extremamente diferentes.

4. Amor Lógico
O amor é um paradoxo. Ou é completo, ou é consistente, não pode ser os dois ao mesmo tempo. Se é completo todo o amor verdadeiro pode ser provado, se for consistente, nenhuma amor que não é verdadeiro pode ser provado. Na verdade, a única prova que funciona no amor é a prova por absurdo, porque o amor é absurdo, e incomputável.

5. Da natureza do amor
Talvez seja biológico, talvez seja químico, talvez seja psicológico. Talvez seja espiritual. Talvez não seja. Se não for, nos engana bem, se não for, é a maior histeria pública já criada.

O amor talvez não exista, ou talvez seja a única coisa que exista.

14 de agosto de 2012

Produtor Consumidor


Writing can be a pretty desperate endeavor, because it is about some of our deepest needs: our need to be visible, to be heard, our need to make sense of our lives, to wake up and grow and belong. It is no wonder if we sometimes tend to take ourselves perhaps a bit too seriously.
ANNE LAMOTT
Apenas uma em cada dez pessoas é produtora de conteúdo na Internet. Isso já é um número impressionante se compararmos a outra mídias, como televisão e revistas. Mas ainda é muito baixo.

Mas por que esse número é tão baixo? será que algumas pessoas nascem consumidoras e outras nascem produtoras? Ou esse número surge naturalmente devido ao esforço envolvido na produção de conteúdo? Talvez não haja público para o conteúdo gerado se todo mundo criasse. Eu acredito que a maioria dos produtores não nasceram produtores, provavelmente foram forçados por algum motivo profissional ou por uma idealização da carreira.

Forçados ou não, produzem. Algumas vezes têm incentivos financeiros, outras, são seus egos que se beneficiam. E o bom conteúdo (não essas listas de dez coisas ou fofocas) é arte, que é vício. Quanto mais arte produzimos, mais sedentos somos por criar. Sede de algo que não conseguimos explicar, de público, de qualidade. De ter nossa obra por aí. Exposta aos olhos, aos ouvidos. Amada, odiada, vendida, consumida. No final do dia, temos a impressão que o mundo está um pouquinho diferente devido ao nosso trabalho, talvez até melhor.

Vivemos num momento único da história, agora mesmo tu podes gravar um vídeo ou escrever um artigo que poderá ser visto por centenas de pessoas. Nunca foi tão barato espalhar uma ideia. Mais que isso: o dinheiro está perdendo a importância nesse campo. Mesmo que por simples injeção de dinheiro tu consigas por tua ideia lá no mercado. Paixão dificilmente é comprada sem prejuízo. Globos oculares são comprados, títulos números, prêmios, menções. Mas valor não. As pessoas estão começando a perder a confiança na mídia de massa, e confiando nos seus vizinhos.

Produze!

13 de agosto de 2012

Moleskine



1. Eu
Não reconheço a pessoa que escreve essas palavras.
Sou só os pedaços que sobraram de algo que já não existe mais.
Meu destino é vagar sozinho pelo sombrio caminho da ignorância.

-- Ela escrevia isso em um Moleskine, deitada no sofá.

2. Tu
Olha para baixo. Provavelmente verás tua barriga. Talvez veja uma parte do teu nariz. É isso, tudo que tu já viste, em toda tua vida. Todas as muitas experiências que tu já tiveste, tudo foi nesse ponto relativo do universo. Considera-te o centro do universo, nunca saíste do lugar.

Não é o teu olho que vê, é o cérebro. Estamos presos em nossas cabeças. Quem nunca pensou que nunca saberemos como é ser outra pessoa, ou viver em outro universo, ou outra época. É aterrorizante a sensação de estar preso dentro de si mesmo. Mesmo assim, a maioria das pessoas nunca chegou ao ponto de se angustiar por causa disso. Qualquer fato de vida, levado ao seus extremos, pode causar o terror. Mas quem tem tempo hoje em dia para chegar aos extremos? na correria do dia-a-dia.

Ninguém pensa até o fim. As pessoas preferem as distrações. As preferem por que são reconfortantes, exatas. A mente humana evoluiu nessa realidade, a das coisas imediatas, da ação e da reação. Do soco que leva a árvore a balançar, fazendo o coco cair e quebrar. Nenhum desespero. O problema é que a queda do coco traz em dúvida a sua causa e o motivo da reação: porque o coco cai para baixo? Por que eu tenho duas pernas e  não cinco? as coisas não poderiam acontecer de outra forma?

Quando eu digo que a mente humana é assim, implicitamente eu alego que é possível haver mentes que não se aterrorizem pelo absurdo, ou mentes onde o absurdo não existe. Ou talvez que o Universo é de alguma forma inteligível, ou entendível. Talvez essa seja a última das crenças infundadas vindas da arrogância que o ser humano ainda não abandonou. Agarramos a mentira do Universo objetivo porque a alternativa é impossível de imaginar. 

O homem criou Deus para explicar o absurdo, e o abandonou por crer que poderia compreendê-lo. A própria existência de um Deus inteligente assume que existe uma inteligência que compreende algo. O homem moderno é otimista, acredita que iremos chegar no conhecimento completo. Talvez se publicarmos mais e mais livros, se modificarmos nossos genes, se descobrirmos vida extraterrestre, teremos a resposta que tanto queremos. Aquela que vai resolver todos os dilemas e paradoxos.

Há outra possibilidade: não existe resposta, assim, o absurdo é somente um conceito proveniente de uma falha da nossa mente subdesenvolvida, ou talvez um produto inevitável da inteligência.

3. Marcela
Meu nome é Marcela. Odeio a mídia, por isso eu escrevo: quero que as pessoas tenham outro ponto de vista. A mídia quer nos vender um padrão de beleza único. As mulheres tem que entender que são todas lindas. Nós temos que estar sempre lindas e magras, os homens saem como querem. Se nós saímos com vários caras, somos vagabundas; os homens, garanhões.

Por que os homens ganham mais que as mulheres fazendo as mesmas atividades? as mulheres são muito mais espertas. Um mundo comandado por mulheres seria ideal, sem guerras, sem violência, sem corrupção. Eu só voto em mulheres.

Tem umas pessoas que dizem que o feminismo já venceu, nada está mais longe da verdade: todos os dias, milhares de mulheres são oprimidas, no local de trabalho, na rua, em suas casas. Sabem quantas mulheres são abusadas sexualmente todos os dias? ou estão na cadeia nesse momento? e quantas mulheres estão morrendo em profissões perigosas e em guerras? sabem qual é o índice de suicídio entre as mulheres? Não podemos ficar paradas. 

12 de agosto de 2012

O pássaro e o executivo



Em umas longínquas montanhas na Índia vivia um mestre budista em um grande templo. O acesso por qualquer meio de transporte humano era quase impossível. A única forma de chegar nesse templo era através de uma densa selva e uma dura escalada.

Luís Roberto era um jovem empresário, com seus apenas trinta e dois anos já era milionário e estava a frente de um grupo com mais de seis mil funcionários. Tão jovem e com tanto sucesso, não havia muito que Luís não conseguia por pura determinação. Porém, não era feliz.

Já tinha tido muito amores que não deram certo, já tinha tentado quase todas as religiões. Fora do campo profissional, considerava sua vida uma fracasso. Parecia sempre estar buscando alguma coisa, que não sabia o que era. Além de todo o sofrimento emocional, sua saúde já estava em risco devido a anos de negligência de sua parte. A vida corrida de um empresário não deixava tempo para dormir e se alimentar direito.

Foi então que um jovem, vestido com uma bata budista e chinelos, entregou a Luís Roberto um livro. Esse livro, de capa dura, com páginas amarelas e roídas, castigado pelo tempo e por traças, descrevia no primeiro capítulo tudo que o jovem empresário sofria: as insônias frequentes, o medo de se abrir com outras pessoas, a busca pelo espiritual. Aquele livro parecia ter sido escrito para ele.

O segunda capítulo do livro usava jargões budistas que Luís não entendia para explicar a solução de todos aqueles problemas. Luís passou noites e noites acordado tentando entender o capítulo dois. Procurou cada um dos termos na Internet atrás de alguma explicação: não encontrou nada.

Foi atrás de um especialista: foi em vários templos budistas espalhados pelo Brasil, ouviu falar muito sobre o budismo e seus princípios, mas nada sobre o capítulo segundo daquele livro misterioso, ninguém, nem mesmo os mestre budistas, entendiam aqueles termos ou os argumentos. Luís já estava quase desistindo quando sua esperança foi reascendida: um jovem discípulo de um templo em São Paulo lhe disse que aqueles termos pertenciam a uma corrente já quase esquecida do budismo, cujos últimos discípulos se encontravam em um templo de difícil acesso na Índia.

Luís então tomou uma decisão: precisava entender aquilo, com a mesma determinação que usou para chegar ao primeiro milhão, chegaria também à felicidade. Sob o risco de perder todo o sucesso material que tinha alcançado até ali, partiu no dia seguinte para as ditas montanhas: descobriria a solução para suas angústias ou morreria tentando. Encontrou, em nova Déli, dois guias que conheciam a área em torno do templo. Foi avisado por todos que muitos morreram tentando lá chegar, que o caminho era cheio de perigos. O jovem milionário não chegara tão longe para desistir.

Depois de seis dias de caminhada pela selva, finalmente chegaram ao pé da montanha, a partir dali seriam dois dias de escalada (havia um pequeno vale onde poderiam acampar mais ou menos a três quartos do caminho). A escalada foi dura, especialmente para Luís Roberto, que não era um grande esportista. No caminho para cima, os viajantes viam cordas rompidas e marcas de unhas que indicavam os fracassos passados, cada uma dessas evidências de perigo deixavam Luís ainda mais determinado.

Finalmente chegou no templo, não acreditava na beleza daquela construção intocada pelos séculos. Tinha um estilo que nunca tinha visto, mas que lembrava os templos zen japoneses. A cada três metros nas paredes havia uma figura monstruosa revestida a ouro. As paredes, sem nenhum defeito, eram pintadas com preto e dourado. O jardim era incrível, cada milímetro parecia ter sido planejado. Como tinha sido construído era um mistério: quem teria levado todo aquele ouro e tijolos? Foi recebido por dois jovens discípulos que vestiam roupas idênticas às do rapaz que lhe entregou o fatídico livro: Luís sentia a mesma excitação que sentiu ao vender a sua primeira empresa. 

Foi levado até o mestre.

Subindo uma escada que não parecia ter fim, dentro de uma pequena construção, atrás de duas estátuas aterrorizantes de leões, estava o mestre. Luís nunca tinha visto alguém tão velho, era difícil determinar a sua idade, devido a penumbra e o fato que o idoso raramente se movia. Mas sua voz entregava o castigo dos anos, disse:

- Eu sei porque tu estás aqui, todos vêm pelo mesmo motivo -- demorou cerca de trinta segundos para terminar essa frase, aparentemente já não falava há dias.

- Então -- respondeu rapidamente o jovem empresário -- me explique, mestre, o capítulo dois.

Até que o mestre respondesse, passaram-se três minutos. Esse tempo pareceu dois anos para Luís, toda aquela espera e dificuldade, que somavam-se aos anos de angústias pessoais, faziam sua mente correr a dez mil quilômetros por hora. Tudo parecia se misturar em seu cérebro, seu coração batia acelerado. Toda aquela adrenalina lhe deixava tonto. Seu coração quase parou quando o mestre começou novamente a falar:

- O homem é o único ser dessa terra que tem a capacidade de alcançar a iluminação. Mas nem todo homem nasce igual. Tu estás acostumado a ter tudo que desejas, mas não te satisfazes. O motivo é que desejas a coisa errada. Não é na riqueza e no poder, nem no amor de mulheres, nem na admiração e inveja de homens, que está a tua satisfação: ela só vai ser alcançada no momento em que descobrires o Sentido da Vida.

- O Sentido da Vida? -- respondeu, incrédulo -- então o mestre sabe o Sentido da Vida?

- Faze o seguinte: vai e encontra a ave azul de patas roxas que fala a língua dos homens, entenderás então o Sentido da Vida.

- Como assim? uma ave azul de patas roxas? o que isso tem a ver com o sentido da vida? é um papagaio? eu não entendo, por favor me explique!

O mestre não disse mas nenhuma palavra. Luís ficou doze horas tentando fazer o mestre explicar melhor o que aquilo significava. Mas o mestre permanecia imóvel, o único movimento que fazia era piscar, apenas uma vez a cada vinte minutos.


Luís saiu de lá desconsolado. Como uma pássaro iria fazê-lo descobrir o Sentido da Vida? Talvez tantos anos em um templo longínquo teriam levado aquele velho à loucura. No entanto Luís Roberto não chegou tão longe para nada, ele não era do tipo que desistia na primeira adversidade. Iria encontrar aquele pássaro ou morrer tentando.

Passou os próximos cinco anos procurando a bendita ave, andou pelos quatro cantos do mundo. Uma pista falsa levava a o outra pista falsa, que levava a um beco sem saída. Buscava cegamente, sem pensar em nada além de seu objetivo. Não perdia um só minuto e não se dava luxo de indulgências. Sua vida era só procurar, procurar, procurar. E enquanto buscava, suas empresas, sem seu comando, foram falindo, uma a uma, até que nada restou de sua fortuna, legado e fama.

Derrotado, Luís Roberto voltou ao templo. Iria implorar ao mestre pela resposta. Se não a conseguisse, se jogaria do alto da montanha, nada mais importava para ele, todos os seus bens e conquistas tinha desaparecido. Enquanto escalava a montanha, desta vez sem a ajude de guias, se sentia estranhamento calmo. Teria se resignado a seu destino? talvez os fracassados sejam livres, livres de responsabilidades, de expectativas. Ainda assim algo lhe roía por dentro: não achara o pássaro, nem o Sentido da vida.

Ao chegar ao topo do templo, não pode nem falar antes de ser interrompido pelo mestre:

- Então jovem que tem tudo que deseja, encontraste o pássaro?

- Não, usei todos os recursos e forças que tinha, mas não encontrei -- dizendo isso, Luís se ajoelhou, e continuou -- por favor mestre, preciso saber, perdi cinco anos da minha vida, só procurei, procurei e procurei. Mas não achei nada.

- Passaste anos procurando o pássaro de penas azuis e patas roxas, se tivesses o encontrado, terias descoberto o sentido da vida. Porém o pássaro não existe.

Nesse momento, Luís Roberto descobriu toda a verdade: o mestre era um pau no cu.