Páginas

9 de outubro de 2011

A origem do sofrimento

0. As quatro nobres verdades
Buda, como primeiro ensinamento à seus discípulos, vislumbrou as quatro nobres verdades. Que são, em resumo:
  1. A vida é sofrimento
  2. Todo sofrimento vem do apego
  3. Há uma forma de se livrar do apego
  4. Esse caminho é o nobre caminho óctuplo
Vamos ignorar a quarta, pois é puramente religiosa. Quero que vocês me acompanhem na análise das três primeiras proposições.

1. A vida é sofrimento
Consegues lembrar-te de um só dia em que não sofreste? sofrimento é um dos aspectos que definem a nossa existência. Nossa vida é um grande fluxo de sofrimento pontuado por curtos períodos de felicidade, que são tão momentâneos que deixam dúvida quanto a sua existência.

De um ponto de vista evolutivo, faz sentido que haja mais sofrimento que felicidade. Se a felicidade fosse obtida facilmente e de muitas formas diferentes, os indivíduos teriam pouco incentivo em buscar uma melhora de suas condições. Porém se não existisse nenhuma felicidade, os seres não teriam também nenhum incentivo para viver. Uma vida cheia de sofrimento da qual, com algum esforço, se possa obter essas pequenas pepitas efêmeras de felicidade é prolífera em qualidades que garantem a sobrevivência da espécie.

Milhões de anos de seleção natural geraram o ser humano, a melhor espécie em termos de sofrimento e, não coincidentemente, a campeã na batalha da seleção natural. Somos tão bons em sofrer que sofremos tanto fisicamente, quanto mentalmente. Vê só: somos tão hábeis em sofrer que criamos uma nova categoria de sofrimento.

Todas as grandes conquistas da humanidade podem ser explicadas em termos de tentativas de escapar do sofrimento. O sofrimento de não saber das coisas criou a religião e a ciência. O medo da morte criou a religião e a medicina. Medo também é sofrimento: é sofrimento da perda antecipada.

2. Todo sofrimento vem do apego
A verdade primeira de buda exclui totalmente a felicidade como algo a ser buscado (valor tão impregnado na cultura ocidental). Para ele, a felicidade é a exceção da regra, algo a ser temido. Tudo que a felicidade faz é gerar mais sofrimento. Quando encontramos algo que nos traz felicidade, junto dela vem o medo de perdê-la.

A felicidade é impossível de ser alcançada, seus efeitos colaterais destroem totalmente o seu propósito. É daí que ele obtém a origem do sofrimento: o apego. O desejo incontrolável de manter tudo como está. O medo da perda. A dor física é apego ao corpo, a dor da perda do ente querido vem do apego a esse.

Para Buda, o real alvo a ser buscado é a iluminação e não a felicidade.

3. Existe uma maneira de acabar com o sofrimento
É aqui que começamos a entrar no terreno arenoso na qual a fé se prolifera. O sofrimento, posto que é aspecto tão definidor dos seres vivos, deve ser, segundo Buda, totalmente eliminado. Como uma erva daninha, para eliminar a consequência (o sofrimento) destruímos a raiz (a origem do sofrimento: o apego).

Porém, as coisas não são tão simples quanto parecem nas simples frases enigmáticas do Iluminado (que não foram aqui reproduzidas com exatidão). Eliminar o apego para acabar com o sofrimento é como rapar o cabelo para eliminar a calvície. O ser sem apego não seria humano, a desumanidade é algo a ser buscado?

4. A real lição
O exagero não desqualifica a proposição. Há muita sabedoria escondida nas quatro premissas do Buda. O querer fútil só causa dor. Se tudo que tu queres na vida é comprar um carro do ano ou viajar para a China, então o cumprimento desses sonhos só vai trazer uma felicidade momentânea. Em poucos segundos já te encontrarás querendo outras coisas.

A dita iluminação, que eu chamaria controle sobre o querer, é realmente um valor a ser buscado. Impossível, porém, de ser alcançado com plenitude. Querer é um dos aspectos que nos torna humanos. No entanto, quanto mais controle sobre o querer, mais próximos estaremos da felicidade.

Felicidade que para mim existe. Felicidade é amor, amor que não quer retorno. É sabedoria, sabedoria que quer ser compartilhada. É compaixão, gerada pela pura simpatia.

links interessantes:
 [observação: o motivo principal da minha negação da doutrina budista é a sua natureza não individualista. Para Buda o indivíduo não existe, somos apenas resultado da condicionalidade. O conceito de indivíduo, segundo a doutrina, é vazio de significado. Mas isso é assunto para todo um outro artigo]

Um comentário:

  1. Eu quero! Eu quero! Eu quero! Eu quero, eu quero porque quero ser iluminada também!Hehe

    ResponderExcluir