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22 de dezembro de 2017

Velho amigo

Minha vida não ia muito bem. Eu estava caminhando pela beira da rua porque a calçada estava em obras. Um conjunto de cones ligados por um fita listrada amarela e preta alertava aos carros que aquele pequeno pedaço de asfalto era destinada aos pedestres. Me perdia em pensamentos, o artigo que eu tinha que terminar, aquela vez que eu deixei alguém que eu gostava na mão, o livro que eu esqueci de devolver em 2009.

Para aquele horário o transito estava calmo demais. O sol estava a pino e eu estava com muito calor. Essa confluência de eventos fazia o tempo passar mais rápido do que deveria. Minha visão se fixou na figura que vinha caminhando em direção oposta a minha. Meu olhar rapidamente se desviou como por reflexo de não ser pego encarando estranhos. Mas meu cérebro logo me avisou que aquele que vinha não era qualquer um. Meu velho amigo Ricardo estava mais gordo e mais careca, mas não tão dificilmente reconhecível. Fixei agora meu olhar nele esperando que ele também tomasse o conhecimento mudo da minha existência. Um sorriso rasgou seu rosto antes taciturno e seus olhos dilataram demonstrando o reconhecimento esperado da nossa antiga amizade.

Não nos víamos haviam anos, mas ainda éramos amigos no Facebook e trocávamos mensagens nos aniversários e quando algum de nós era bem sucedido em alguma empreitada. Não trocávamos palavras analógica ou digitalmente havia muito tempo, mesmo assim eu ainda o sentia presente na minha vida, como se ele tivesse ido passar um mês no litoral e já tivesse voltado.

Nos distanciamos gradualmente. Falando cada vez menos através dos anos. Era como se houvesse uma parte do meu cérebro destinada ao meu amigo e aos poucos ela tivesse encolhido até o momento em que ela se tornou apenas um espaço em uma instante.

A emoção de revê-lo foi grande. Gritamos no início, demos risada como se tivéssemos recuperado algo muito importante que quase foi jogado fora. Fizemos as perguntas básicas para saber onde e como estávamos na vida. Aos poucos o volume da das vozes foi reduzindo e mais calmamente podemos conversar normalmente. Fizemos piadas e demos risada. Fizemos planos de nos revermos ou de reunir a galera. Lembramos dos amigos em comum que haviam casado, tido filhos ou morrido.

Eu fiz uma piada e meu amigo fechou a cara. Algo estava errado. Não estávamos mais conectados. Realmente tínhamos virado apenas lembrança. Provavelmente a galera nunca mais ia ser reunida.

Voltei para calçada menos triste. Comecei a pensar no artigo que eu tinha que terminar, aquela vez que eu deixei alguém que eu gostava na mão, o livro que eu esqueci de devolver em 2009.

21 de fevereiro de 2015

Vemödalen

Marcos temia já ter visto e ouvido tudo.

Nunca achava graça de nada. Todas as frases que escutava traziam consigo o mesmo som. Aquele sentimento de Déjà-vu. Não conseguia ter uma conversa sincera com ninguém. Parecia que tudo que lhe diziam já lhe tinha sido dito, senão a ele, a alguém, em algum momento.

Há anos não lia livros, não via filmes. Não achava graça de comédias: as piadas pareciam todas velhas. Um dia simplesmente desistiu de ler qualquer coisa.

Seus relacionamentos duravam sempre algumas semanas. Uma vez, em um segundo encontro, dormiu na mesa do bar. Não tinha tampouco amigos. Ninguém lhe entendia e não existem muitas ocasiões sociais para alguém que não gosta de conversar e não tem interesses. Ele até tentava fingir que se interessava por aquilo que os outros diziam, mas transparecia em suas atitudes o quanto tudo lhe causava malaise.

Já tinha tentado de tudo. Tentou viajar. Tentou fazer yôga, curso de teatro, de dança, de mandarim. Tentou ir na igreja, pular de paraquedas, até aeromodelismo. Tentou ir em todos os restaurantes, boates e eventos. Não adiantava, nada era novidade. 

E por não ser novidade não lhe dava prazer. O sentimento de repetição se tornou um tormento tão grande que Marcos não sentia contentamento em fazer nada. Tem coisas que a gente dá como garantido. Por mais que a vida seja sofrida, temos consolo na esperança. Esperança era algo que Marcos vinha lentamente perdendo.

Não vivia, suportava a vida. Ia da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Parecia que era feito de um material diferente das outras pessoas. Invejava os colegas de trabalho que conversavam e riam no intervalo em frente a cafeteira. Mesmo assim prosseguia. Ainda existia uma pequena esperança de que em algum lugar iria encontrar algo novo, algo que lhe atiçasse a curiosidade e o fizesse viver novamente.

* * *

Um dia, uma velha senhora que estava a sua frente resolveu pagar suas compras usando somente moedas. Irritado com a demora, Marcos desabafa com a pessoa na sua frente que ele achava que pessoas idosas deveriam ter um horário especial para comprar. Quem se vira é uma jovem morena de óculos que lhe diz:

– Eu não tenho pressa.

Seu nome era Marcela. Aquelas palavras que não tinha nada de novo, para Marcos soaram como a última profecia. Um sentimento de confusão lhe invadiu. Não sabia o que dizer. A acompanhou até sua casa (que era do lado contrário à sua). Tiveram naqueles quinze minutos de caminhada a melhor conversa que Marcos já teve. Saboreava cada palavra que Marcela dizia. Parecia que tinha achado um oásis depois de anos no deserto. Um sentimento que lhe era raro lhe preenchia: Curiosidade. Queria saber tudo sobre aquela mulher. Onde ela estudou? que tipo de sorvete ela gostava? como foi a sua infância? Ele queria só absorver tudo o que pudesse, já queria pular para o futuro e entender tudo sobre ela.

Agora tudo era diferente. Assistiu um filme do Adam Sandler e morreu de rir. Achou McDonalds delicioso. Chorou lendo A Culpa é das Estrelas. Mas o que tinha acontecido? não era o mundo que tinha mudado, era Marcos. Nada era novo, tudo estava nas mesmas coordenadas de sempre, mas marcos havia rotacionado: via tudo sob um novo ângulo.

Não era como se Marcela fosse alguém especial. Não tinha nada de surpreendente. Era bonita, mas não de derrubar queixos. Era inteligente, mas não era um gênio. Se vestia modestamente, nada de super fashion, mas tampouco roupas desajustadas.

E aquela velha insatisfação que Marcos sentia agora era só uma memória distante. Via Marcela todo dia, e eles faziam as coisas mais comuns e eram felizes.

No aniversário de um ano daquele dia no supermercado, Marcos queria escrever uma mensagem à Marcela lhe agradecendo pela mudança que ela tinha causado em sua vida. A carta ficou cheia de lugares comuns, mas Marcos não se importou porque ela era Original. No grande esquema das coisas ela era original. Mesmo que outros já tivessem escrito uma carta igual ela era original. Originalidade não é uma função.

11 de fevereiro de 2015

Amor, Sexo e Arte.



Em um episódio de "O Fantástico Mundo de Bob", Bob não sabe se o que sente é amor ou são gases. A lição importante do desenho é que o amor é algo individual e fenomenal. É um sentimento. Não há como saber se todas as pessoas que já amaram sentiram a mesma coisa. Nem tão pouco se o conceito "amor" desaparecesse, as próximas gerações iriam recriá-lo.

O sexo, diferente do amor, pode ser verificado. Ainda que a definição e as práticas mudem ligeiramente através das gerações, é possível delinear as fronteiras do que é e o que não é sexo. Portanto o sexo é algo de concreto, de real. Existem estudos científicos ligando certas repostas químicas às pessoas que se dizem apaixonadas. A falha está no "se dizem apaixonadas". Bob pensava amar, na verdade tinha gases.

Ninguém nunca presenciou de fato o amor. Enquanto que o sexo sim já foi presenciado. Aliás, as vezes quando presenciado gera desconforto, separação ou até morte. Alguns dizem que o sexo é evidência do amor. Sexo é tão evidência do amor quando da existência de anjos da guarda.

O maior problema do amor é a sua centralidade na Experiência Humana. O Amor hoje significa tanta coisa, que não significa mais nada. Situação similar ao ocorrido com a Arte. Para os gregos antigos a arte tinha função puramente estética. Na idade média, a arte se tornou uma forma de se ligar com o divino. Na idade moderna se tornou sinal de status. E lentamente na idade contemporânea, se tornou uma forma de expressão, de transcendência da realidade objetiva. Duchamp, em 1917, submeteu um mictório ao salão de arte. Agora um objeto quotidiano era arte. Agora tudo era arte. Arte performática, arte de rua, arquitetura, programação, generativa, experimental.

O que separava o mictório de Duchamp dos milhares que decoram nossos banheiros? contexto. Da mesma forma o sexo, que é quotidiano, contextualmente se transfigura em amor. Mas assim como alguns não classificam os mictórios, ou arte performática, como arte. Alguns podem dizer que amor e sexo estão sempre fundamentalmente separados, enquanto outros dizem que alguns mictórios são arte e outros não.

O sexo é um ato físico, necessário de certa forma ao bom funcionamento de um ser humano. Da mesma forma o mictório serve a uma necessidade fisiológica.

Talvez não exista amor, nem arte, mas sexo.

10 de fevereiro de 2015

24 dias de meditação


Você já imaginou como seria ver a sua vida por uma tela? Imagine ver cada instante do seu dia de hoje, minuto a minuto. Seria uma experiência excruciante, principalmente para os mais ansiosos. Há um par de anos atrás, eu coloquei minha webcam para tirar uma foto por minuto. Ver o seu rosto olhando debilmente para a tela de um computador é uma visão não muito agradável. Mas a cada minuto eu estava totalmente inconsciente da minha situação, totalmente concentrado em seja lá o que eu estivesse vendo. Em qualquer outro lugar, menos ali. Observar você mesmo em terceira pessoa tem um poder transformativo.

Vá para o centro da cidade e observe o rosto das pessoas. A maioria está presente só em corpo. Seus olhos mirados para frente mas suas mentes já onde vão chegar, ou talvez para aonde vão várias horas depois. Pouco pensamento vai em cada ação a se tomar, o que fazer a seguir. Grande parte do nosso dia se passa dessa maneira, fazemos as coisas no automático.

Passamos um terço da nossa vida dormindo, o que é uma necessidade do corpo. Mas e nos outros dois terços? estamos realmente acordados? quantas vezes você já deixou as chaves de casa em um lugar aleatório e depois não lembrava onde as tinha posto? é isso que acontece quando se vive dormindo.

Há 24 dias eu tenho meditado uma vez por dia. Para quem nunca tentou, ficar sentado, sem pensar em nada, dez ou vinte minutos é muito mais difícil do que parece. Nosso cérebro tenta ao máximo fazer tudo por hábito. Se você dirige, pense na primeira vez que dirigiu. Cada passo era feito conscientemente, exigindo alta concentração para fazer as coisas mais simples como mudar de marcha ou checar o retrovisor. Aos poucos essas pequenas ações foram sendo incorporadas à sua "caixa de ferramentas" e você começava a fazê-las sem nem mesmo pensar. Hábitos se incorporam as atividades automáticas do dia-a-dia. Chegar em casa e ligar a televisão por exemplo. Ou abrir o e-mail quando outras atividades exigem sua atenção.

Com o tempo, os hábitos se tornam parte de nós. Aos poucos é difícil nos dissociarmos do que fazemos todos os dias. O homem que acorda cedo todo dia e lê o jornal acredita que ler o jornal faz parte de quem ele é. Mas o que aconteceria se amanhã o homem acordasse e fosse correr no parque? ele obviamente não viraria outra pessoa, ainda seria o mesmo homem. Da mesma forma, criamos o hábito de nos perdermos em pensamento.

Faça o seguinte: da próxima vez que estiver se deslocando para algum lugar comece a observar as coisas que você pensa. Observe o quão repetitivo e exaustivo é o pensamento. Talvez você pense em algo que tem que fazer quando chegar em casa e depois de algo errado que fez no trabalho ontem. Depois você vai pensar novamente nessa coisa que tem que fazer assim que chegar em casa, então vai lembrar de algo de errado que fez semana passada. Daí vai pensar em como está se sentindo desconfortável e como vai ser bom chegar onde quer chegar. Logo vai começar a pensar de novo que não pode esquecer de fazer aquela coisa no momento que chegar em casa. E vai lembrar de algo errado que fez em 2003.

Da mesma forma que seria excruciante ver o seu dia em uma tela, seria extremamente monótono ouvir tudo que você pensa lido em voz alta. A pura repetição já o faria ficar entediado, mas mais que isso, o discurso, além de não interessante, é ruim. Quantos dos seus pensamentos lhe fazem sentir mal? mas esse que está lhe chamando de burro porque esqueceu da carteira em casa, esse é você não é? e não há como fugir de si mesmo.

Esse não é você.

Mas esse discurso interno é feito a tanto tempo que se torna um hábito. Tanto que é difícil de imaginar que essa voz que está na sua cabeça não é você. Que é um hábito. E que pode ser reduzida. Isso é só ruído. É possível controlar mais o seu próprio pensamento.

Sentar e meditar é um hábito. Eu comecei com dez minutos por dia e passei para quinze. Nesse tempo eu tento focar no momento, na respiração. Eu não luto com os pensamentos, eu os deixo sair como entraram. Eu não me identifico com os pensamentos. Eu não me chamo de distraído quando perco a atenção. O importante é só sentar e meditar.

Ainda é cedo para dizer, mas eu estou mais feliz. Mas você não precisa acreditar em mim. Você não precisa nem mesmo acreditar que funciona. Basta sentar e não pensar em nada. Meditação é um treino para todo o tempo em que você não está meditando. 

2 de dezembro de 2014

O Doce Veneno do Caranguejo

Era aquele dia cinzento e ventoso em que só se vai na praia porque já se cansou da mesa de baralho. Roger estava sentado sobre suas havaianas contemplando comprar um milho verde: decidiu caminhar.

Quanto mais caminhava, mais feias eram as praias e mais o vento soprava. Começou a pensar em todo o trabalho que teria para fazer quando voltasse para capital: só a sua caixa de entrada demoraria duas manhãs para ser processada. Lembrou do porteiro do prédio em que trabalhava que sempre comentava com ele sobre futebol. Roger não entendia nada de futebol, no colégio só jogava vôlei e seus pais só viam ginástica artística na TV. Contemplava agora se demitir: decidiu comprar o milho.

Ao chegar no quiosque se deparou com Laura. Não a via há um ano. Saíram algumas vezes e de vez em quando trocavam mensagens no WhatsApp. Só depois de alguns minutos se atualizando um da vida do outro que Roger percebeu algo curioso com a menina: suas pernas eram as de um caranguejo.

Confuso no início, não sabia se trazia aquele fato a tona ou não. Sorte que quem estava falando era ela; isso lhe deu tempo de pensar. Será que era uma doença? se fosse seria chato comentar. Mas também como ficar calado? tal transformação não ocorre todo dia. Resolveu dar uma indireta:

-- E o que aconteceu contigo?

Ela entendeu. Disse que era "por causa do namorado" e complementou com "sabe como é". Depois apertou seus lábios formando uma expressão facial que Roger não sabia como interpretar.

Como assim por causa do namorado? será que ela estava namorando um caranguejo? e que a estava obrigando a se transformar lentamente em sua espécie? ou será que o namorado tinha um fetiche por crustáceos? nunca tinha ouvido nada parecido. Além do mais, Laura, formada em direito, nunca iria se sujeitar desse jeito a um cara qualquer com um fetiche bizarro.

O milho de Laura ficou pronto e ela foi embora em direção as dunas de areia. Roger ficou ali pensando se pediria manteiga ou só sal.

Roger ficou pensando que nenhuma mulher fez nada assim por ele. Nem mesmo um corte de cabelo. Porque será que alguns tinham sucesso no amor enquanto ele só se dava mal? a verdade é que ele também não faria nada assim por ninguém. Nem passava por sua cabeça decair na escala evolucionária só para satisfazer alguém que não conhecia nem mesmo há um ano. Começou a achar Laura volúvel.

Naquela noite os dois pensaram um no outro. Roger em seu colchão na casa da praia do seu colega de trabalho e Laura nas dunas de areia do Quintão.

4 de outubro de 2014

A Ana-mariazação da Sociedade


Dizem que Monalisa tinha sobrancelhas e que era séria. Eu a imagino através dos séculos, vendo suas cores desaparecem, suas sobrancelhas sumirem; imagino-a vendo tudo isso e sorrindo. O que fazer? talvez o desaparecimento da beleza também seja belo. 

É o destino da mulher se conscientizar de sua beleza já em seu declínio. A beleza da mulher é um poema escrito na areia. Eu imagino o pavor da, antes bela, mulher que se olha no espelho e vê sua mãe. Aquilo que lhe dá razão de existir agora desaparece em sua frente, sem que nada possa ser feito.

Com sorte o ser humano é o ser do hábito, e dado o longo tempo para se acostumar com o novo estado-das-coisas, a mulher se acostumava com a beleza perdida. Como Monalisa, ela sorria. Mas criamos maquiagens e as revistas femininas: não mais era possível se contentar. A mulher não tinha mais o direito de ficar velha. É a ana-mariazação da sociedade.

Consumismo. Quanto mais passam-se os anos, mais maquiagens, mais Cosmopolitans. Até o momento súbito da cajadada de Cronos. 

Beleza é poder. Ninguém obriga ninguém a usar maquiagem (talvez o dono do circo obrigue o palhaço, mas esse tem o direito de virar trapezista ou limpar a jaula do elefante). Mas não usar significa a perda do poder. Alguns apontam a obrigatoriedade da maquiagem como indício do machismo na sociedade, mas pelo menos a mulher tem a alternativa: tudo que estende a aparência de juventude do homem é ridicularizado.

A tecnologia estende nossas capacidades, podemos pular mais alto, viajar mais rápido e estender a juventude até estágios ana-mariescos. Mas ainda não estendemos nossas emoções para lidar com essas novas capacidades. Estamos fadados ao momento fatídico: olhar-se no espelho e ver Louro José.

8 de março de 2014

Promoção Exclusiva para o Dia Internacional da Mulher

1. Consumismo
O consumismo abocanha tudo. Nada escapa.

Mulheres morreram queimadas numa fábrica? Que tal esse desconto nesse forno? Que tal comprar flores ou bombons para suas colegas de trabalho? "Tu acredita que ele não me deu nada no dia internacional da mulher?".

No momento em que um movimento é comoditizado ele perde seu valor. Se tu estás comprando uma camisa de "eu sou feminista", então tu és só mais um funcionário; e poderia pelo menos ser pago por isso.

O dia dos namorados pelo menos é sincero.

2. Ironia
Como reclamar do sistema de dentro do sistema?

Minha própria linguagem é a linguagem do consumismo. Minha indignação tem cotação no mercado. O paradoxo é um paradoxo.

Comprar é a última forma de protesto. Ou não comprar, no caso. Se tu não concordas com a opinião do dono do KFC, então simplesmente não compres dele. A revolução no capitalismo é tipo o voto, não serve para nada.

3. Esperança
Não há mais quase nada a se fazer sem consumir. Não há bancos no centro da cidade. Eu e meus amigos somos interrompidos em nossa conversa no parque. É uma moça simpática vendendo trufas.

"Tudo bem, ela só está tentando pagar a prestação do carro."

É para isso que as mulheres foram queimadas. Para que tu comprasses o forno em dez suaves prestações.