Páginas

21 de fevereiro de 2015

Vemödalen

Marcos temia já ter visto e ouvido tudo.

Nunca achava graça de nada. Todas as frases que escutava traziam consigo o mesmo som. Aquele sentimento de Déjà-vu. Não conseguia ter uma conversa sincera com ninguém. Parecia que tudo que lhe diziam já lhe tinha sido dito, senão a ele, a alguém, em algum momento.

Há anos não lia livros, não via filmes. Não achava graça de comédias: as piadas pareciam todas velhas. Um dia simplesmente desistiu de ler qualquer coisa.

Seus relacionamentos duravam sempre algumas semanas. Uma vez, em um segundo encontro, dormiu na mesa do bar. Não tinha tampouco amigos. Ninguém lhe entendia e não existem muitas ocasiões sociais para alguém que não gosta de conversar e não tem interesses. Ele até tentava fingir que se interessava por aquilo que os outros diziam, mas transparecia em suas atitudes o quanto tudo lhe causava malaise.

Já tinha tentado de tudo. Tentou viajar. Tentou fazer yôga, curso de teatro, de dança, de mandarim. Tentou ir na igreja, pular de paraquedas, até aeromodelismo. Tentou ir em todos os restaurantes, boates e eventos. Não adiantava, nada era novidade. 

E por não ser novidade não lhe dava prazer. O sentimento de repetição se tornou um tormento tão grande que Marcos não sentia contentamento em fazer nada. Tem coisas que a gente dá como garantido. Por mais que a vida seja sofrida, temos consolo na esperança. Esperança era algo que Marcos vinha lentamente perdendo.

Não vivia, suportava a vida. Ia da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Parecia que era feito de um material diferente das outras pessoas. Invejava os colegas de trabalho que conversavam e riam no intervalo em frente a cafeteira. Mesmo assim prosseguia. Ainda existia uma pequena esperança de que em algum lugar iria encontrar algo novo, algo que lhe atiçasse a curiosidade e o fizesse viver novamente.

* * *

Um dia, uma velha senhora que estava a sua frente resolveu pagar suas compras usando somente moedas. Irritado com a demora, Marcos desabafa com a pessoa na sua frente que ele achava que pessoas idosas deveriam ter um horário especial para comprar. Quem se vira é uma jovem morena de óculos que lhe diz:

– Eu não tenho pressa.

Seu nome era Marcela. Aquelas palavras que não tinha nada de novo, para Marcos soaram como a última profecia. Um sentimento de confusão lhe invadiu. Não sabia o que dizer. A acompanhou até sua casa (que era do lado contrário à sua). Tiveram naqueles quinze minutos de caminhada a melhor conversa que Marcos já teve. Saboreava cada palavra que Marcela dizia. Parecia que tinha achado um oásis depois de anos no deserto. Um sentimento que lhe era raro lhe preenchia: Curiosidade. Queria saber tudo sobre aquela mulher. Onde ela estudou? que tipo de sorvete ela gostava? como foi a sua infância? Ele queria só absorver tudo o que pudesse, já queria pular para o futuro e entender tudo sobre ela.

Agora tudo era diferente. Assistiu um filme do Adam Sandler e morreu de rir. Achou McDonalds delicioso. Chorou lendo A Culpa é das Estrelas. Mas o que tinha acontecido? não era o mundo que tinha mudado, era Marcos. Nada era novo, tudo estava nas mesmas coordenadas de sempre, mas marcos havia rotacionado: via tudo sob um novo ângulo.

Não era como se Marcela fosse alguém especial. Não tinha nada de surpreendente. Era bonita, mas não de derrubar queixos. Era inteligente, mas não era um gênio. Se vestia modestamente, nada de super fashion, mas tampouco roupas desajustadas.

E aquela velha insatisfação que Marcos sentia agora era só uma memória distante. Via Marcela todo dia, e eles faziam as coisas mais comuns e eram felizes.

No aniversário de um ano daquele dia no supermercado, Marcos queria escrever uma mensagem à Marcela lhe agradecendo pela mudança que ela tinha causado em sua vida. A carta ficou cheia de lugares comuns, mas Marcos não se importou porque ela era Original. No grande esquema das coisas ela era original. Mesmo que outros já tivessem escrito uma carta igual ela era original. Originalidade não é uma função.

Nenhum comentário:

Postar um comentário